segunda-feira, setembro 19, 2005

Justiça, ética e bom-senso


Desde a mais tenra idade, o ser humano desenvolve um apurado sentido de justiça e reclama a parte que lhe cabe na distribuição. Porém, à medida que cresce, verifica, com pesar, que nem sempre a letra da Lei consegue traduzir o seu espírito, e que, pior ainda, muitas vezes a aplicação da Lei desvirtua por completo, quer a letra, quer o espírito.
Aprende, também, que não pode, ou não deve, fazer justiça por suas próprias mãos, delegando essa execução em órgãos competentes para o efeito, constituídos por concidadãos seus, para isso preparados e a isso dedicados.
Aprende, por fim, que a esses órgãos se chama tribunais, e a essas pessoas juízes.
A pouco e pouco, acostuma-se a ver os tribunais como templos da Justiça, onde o profano é sacralizado através da revelação da verdade, e onde a descoberta dessa mesma verdade permite executar acções pedagógicas, preventivas e rectificadoras de comportamentos, junto dos pleiteantes e da sociedade.
Por outro lado, acostuma-se, também, a ver nos juízes os sacerdotes dessa consagração, e, como tal, figuras imaculadas, impolutas, incensuráveis.
É assim nas sociedades ditas primitivas ou tradicionais. É assim nas sociedades desenvolvidas. No meio termo, terá de ser assim nas sociedades sub-desenvolvidas, ou em vias de desenvolvimento, como se diz agora, termo que nem sempre corresponde à realidade, pois o desenvolvimento pode estar estagnado.
O Brasil ocupa o 59º lugar entre 133 países, no que toca à prática da corrupção. Mas, melhor do que esta classificatória, o indicador medido pela organização Transparência Internacional (TI) nos dá uma ideia mais rigorosa, e deprimente, do posicionamento do país. Numa escala de 0 a 10, sendo este último valor o correspondente ao mínimo de corrupção, o país apresenta o preocupante índice 3,9.
A TI considera que um factor igual ou abaixo de 3 traduz a impossibilidade de controlar a corrupção no país. Como os dados se referem a 2004, seria importante actualizá-los à data de hoje.
Em tal contexto social, verifica-se, com tristeza, que a imagem dos juízes nem sempre confere com a excelência que o nosso imaginário foi educado a atribuir-lhes. De facto, não são poucos os juízes que, pelas suas safadezas, estão presos ou a contas com a Justiça. Outros, embora não menos safados, vão conseguindo esgueirar-se pelas malhas da Lei, como cobras de água.
A todo o juiz, sem excepção, se pede cuidado com o que pensa, especial cuidado com o que diz, e supremo cuidado com o que faz. Mas, quanto mais exposto for o lugar que ocupa na escala hierárquica da magistratura, maior terá de ser a atenção que presta às mensagens que transmite e aos comportamentos que assume, principalmente em público. Ou seja, a preservação da imagem deve ser uma das suas preocupações.
Quando se fala de presidentes de tribunais, a responsabilidade nessa preservação é acrescida.
No particular momento que o Brasil vive, inundado pelo mar de lama que os escândalos político-financeiros alimentam, é necessário redobrar a consciência da verticalidade e da integridade, qualidades que se resguardam pelo exercício permanente da auto-vigilância e da auto-disciplina. Mas nem sempre isso acontece.
A revista Veja, a mesma que tem dado a conhecer aos brasileiros a corrupção desenfreada que contamina grande parte dos seus políticos, a mesma que tem mostrado a cara dos que envergonham o Brasil perante si próprio e perante a comunidade internacional, trouxe a público, no fim-de-semana, o envolvimento do presidente do Supremo Tribunal de Justiça, ministro Edson Vidigal, em situações menos convenientes à sua situação.
Segundo a revista, a Polícia Federal (PF) captou, ao longo de dois anos de investigação, conversas telefónicas entre membros de uma das maiores quadrilhas de fraudadores da Previdência do país. Nelas, o nome de Vidigal é referido por diversas vezes, como sendo o homem com que o bando pretendia contar para resolver contratempos surgidos no decorrer de uma das maiores operações do género que estava a ser executada.
O juiz nega qualquer cumplicidade. Vamos acreditar, mas não devemos escusar-nos de reflectir sobre a familiaridade com que o seu nome é tratado no grupo, e na inutilidade de os bandidos invocarem o seu nome de graça, se sentissem que seria em vão. A obscurecer a cena, apresenta-se o facto de um apartamento, pertença de três enteados do juiz, ter sido por eles alugado ao chefe da quadrilha.
Num segundo episódio, relata a Veja que o mesmo juiz Edson Vidigal se deslocou recentemente ao Chile, a fim de participar num seminário sobre coberturas de saúde. Todas as despesas teriam sido pagas por uma empresa brasileira, gestora de planos de saúde. Na semana anterior, o juiz decidira a favor das empresas de seguros de saúde do Brasil o aumento de mais de 26% sobre os prémios a pagar pelos associados, situação que se encontrava em tribunal, contestada pelas organizações de defesa dos consumidores.
Numa extensa nota de indignação/justificação/repúdio, Edson Vidigal afirma que desconhecia os patrocinadores. Declara que pagou tudo do seu bolso. E exige respeito. O respeito, porém, e isto é válido para qualquer cidadão, não se exige – merece-se, ou não.
Vamos acreditar, de novo. Mas não há dúvida de que, por mais verdadeira que seja a sua exposição, já pouca gente acredita nas indignações, nas justificações e nos repúdios expressos pelos homens públicos sujeitos a denúncias pela imprensa. É que, na generalidade, se confirmam os factos divulgados, como toda a gente sabe.
A um juiz, para além de integridade pede-se bom-senso. O bom-senso, pelo menos, de não participar em eventos errados, no lugar errado, na hora errada.
Neste caso, não faltariam assessores capazes de desempenhar a missão.
Para a pergunta inocente (ou ingénua) de Edson Vidigal, "se eu devo no cheque especial, não posso julgar os Bancos?" a resposta é só uma: claro que não. O presidente do Supremo Tribunal de Justiça deveria sabê-lo.
Juiz em causa própria não julga, decide a favor. Mesmo quando a causa própria se limita a "uma viagem de avião e algumas horas de hotel, sob auspícios da iniciativa privada", como diz na sua defesa.
Afinal, é também pelo grau de amplitude, pureza e intransigência da ética da, e na, magistratura de uma Nação que se pode estimar o grau de civilização ou de barbárie de um Povo.



sexta-feira, setembro 16, 2005

Cassadores e cassado


Para a Câmara de Deputados do Brasil, o dia 14, quarta-feira passada, não foi de júbilo, e muito menos de glória. Pelo contrário.
O sufrágio que resultou na cassação (perda de mandato e de direitos políticos até 2015) do deputado federal Roberto Jefferson firmou-se mais no desejo mesquinho de uma vingança política, do que na vontade nobre de fazer justiça.
Em Maio deste ano, a revista brasileira Veja publicava uma reportagem com factos comprometedores para um funcionário da empresa estatal Correios e Telégrafos do Brasil, filmado a receber comissões (propinas) de empresários que pretendiam favores em licitações para fornecimento de produtos e serviços.
Maurício Marinho, o funcionário em questão, tentou defender-se, declarando que havia um esquema organizado de corrupção nos Correios, que teria como cabecilha Roberto Jefferson.
O deputado, que na época presidia ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), partido que tinha representantes seus em órgãos de decisão daquela empresa, veio de imediato a público com declarações escaldantes.
Então, enquanto Marinho dizia e se desdizia em renovadas versões nos interrogatórios da Polícia Federal (PF), acabando por inocentar Jefferson, este passou a presidência do PTB a um correligionário, e iniciou um rol de denúncias sobre corrupção de políticos, em que ele próprio, como líder do seu partido, estava implicado.
Daí para cá, a República ainda não deixou de tremer. A comunicação social está de plantão permanente. A imprensa no estrangeiro passa a imagem de uma classe política podre em todos os patamares, roubando quanto pode, generalização que anda pouco longe da verdade.
Roberto Jefferson, advogado de 52 anos, na política activa desde 1983, foi deputado federal pelo Rio de Janeiro até ontem. Nos últimos cinco meses tornou-se um homem a abater, com atiradores entre os governistas, tanto quanto entre a oposição.
As suas declarações fizeram rolar cabeças de políticos e empresários, numa degola em série que ainda não terminou. Assassinatos considerados crimes comuns são agora revistos como crimes políticos. Para além de subornos e outras formas de corrupção, rolou extorsão, desvio de fundos públicos, lavagem de dinheiro, fuga de divisas e evasão fiscal, num montante de vários bilhões de reais (1 real equivale a cerca de 0,33 euros). Alguns bancos se viram, de repente, descobertos nas movimentações ilegais. Empresas estrangeiras, algumas portuguesas, ficaram na berlinda. Na sequência disso, ministros e chefes de gabinete foram afastados e estão na fila para investigações pela PF e pelo Supremo Tribunal Federal. A terceira figura do Estado, o presidente da Câmara dos Deputados, caiu redondo, tido como corrupto também, gerando uma situação delicada e complexa quanto à substituição. A imagem do presidente da República, Luiz Inácio Lula da Silva, foi negativamente afectada, apresentando índices de impopularidade que tornam difícil a reeleição em 2006. A cúpula do partido no poder, Partido dos Trabalhadores (PT), fundado por Lula da Silva, pulverizou-se, com todos os seus elementos incriminados nos escândalos, e no interior do partido travam-se agora lutas de morte pelo poder.
O principal visado nesta embrulhada é, precisamente, o PT, que desempenhou, em simultâneo, o papel de corruptor e corrupto. Por um lado, pagava a deputados da base aliada e da oposição para que votassem favoravelmente as propostas da bancada do governo. Por outro, recebia dinheiro de empresas, públicas e privadas, que eram favorecidas em negócios vários, por tráfico de influência que o próprio PT desenvolvia.
Com Jefferson foram indiciados mais dezassete deputados de partidos vários, acusados de suborno. Dizem os entendidos que este número é muito inferior ao que poderá vir a ser ainda apurado, se as investigações prosseguirem com intenção de descobrir, avaliar e punir.
Até agora, a maioria dos envolvidos é do PT, partido que, na oposição, arvorava a bandeira da ética como arma eleitoral.
Iguais a ratazanas tentando salvar-se do naufrágio, alguns parlamentares estão a renunciar aos mandatos, antes de serem julgados. Forma covarde de escaparem à cassação que os afastaria da política por 8 anos. Assim, poderão candidatar-se, de novo, para o ano, e continuar a defraudar o país. A Lei o permite. Como se essa renúncia não constituísse declaração expressa de culpa.
Uma das acusações feitas a Jefferson no Conselho de Ética da Câmara é a de que ele acusara e nada provara. Argumento desonesto. Todas as denúncias, feitas na ocasião sem provas, estão a ser confirmadas, à medida que as investigações avançam, e abrindo caminho, todos os dias, para factos que até agora não tinham sido divulgados.
Outra das acusações prende-se com terminologias, significados de palavras, detalhes que não inocentam dos crimes praticados, mas de que a acusação se serve para dizer que as denúncias de Jefferson são infundadas. Assim se procura esconder as verdadeiras razões da cassação do deputado.
Roberto Jefferson não será, talvez, um santo. Porém, teve o mérito e a coragem de denunciar este imenso mar de lama que inunda o país. Não renunciou, e teve muito tempo para o fazer. Não se colocou a salvo dos escândalos, e reconheceu o seu partido como um dos beneficiados pelo dinheiro sujo. Não teve medo de afrontar os senhores do Poder, até às mais altas instâncias.
Ao mostrar aos seus concidadãos e ao exterior a verdadeira face dos políticos do Brasil, ao mostrar aos seus concidadãos e ao exterior a verdadeira face do Partido dos Trabalhadores, ao mostrar aos seus concidadãos e ao exterior a verdadeira face da corrupção no Brasil, Roberto Jefferson teria de ser abatido.
A sua cassação foi vendetta, não foi justiça. O Partido dos Trabalhadores, considerado de esquerda, e os mais que conservadores Partido Progressista (PP) e Partido Liberal (PL), curiosamente aliados do primeiro na base de apoio ao presidente Lula da Silva, uniram-se, mais uma vez, agora como carrascos.
Numa Câmara de 513 deputados, estiveram presentes 469. Destes, votaram a favor da cassação 313, e 156 contra. Embora a votação tenha sido secreta, pode-se tirar dos resultados algumas conclusões interessantes.
Assim, o PTB tem 45 elementos. No pressuposto, que pode ser falso mas é plausível, de que todos tenham votado contra a cassação, mesmo assim ainda houve mais 111 deputados que seguiram a mesma linha. PT, PP e PL somam 192 parlamentares. Presume-se que todos tenham votado a favor. Se assim foi, os restantes votos nesse sentido constituem apenas pouco mais de um quarto do total desses votos a favor. Isto significa que muita gente fora do PTB está com Roberto Jefferson.
Há um movimento, com apoio do poder judiciário, para adiar o julgamento pelo Conselho de Ética da Câmara dos outros parlamentares já indicados para cassação. Isto poderá indiciar uma tentativa de anulação dessas acções. Roberto Jefferson seria, então, o único cassado.
Se tal acontecer, aí está o mega-escândalo que faltava para definitivamente atribuir total descrédito àquilo que chamei numa crónica anterior de política à brasileira, se é que algum crédito ainda lhe merece a opinião pública nacional e internacional.



quinta-feira, setembro 15, 2005

O sucessor


Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que não sabe alinhar duas palavras faladas, e muito menos escritas.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que, apesar de mal saber falar e escrever, mente com o desaforo e o desassombro próprio dos grandes trapaceiros.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que corre atrás de dinheiro como macaco atrás de banana, mas sem olhar para o caminho.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém cujo primeiro e único notável acto na Casa tenha sido a proposta, recusada pelos seus pares, de aumento de salário dos deputados em 83%, xingando o povo.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que defende e pratica a inclusão de amigos e familiares na política por tráfico de influências.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que defende e pratica a inclusão de familiares em empregos estatais, sem concurso público, alegando que é um serviço prestado ao país.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que veio a ser acusado de passar cheques sem fundo.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que provocou insultos de deputados e senadores, ao sugerir indulgência e penas suaves para os políticos implicados no monstruoso esquema de corrupção que inunda o país num mar de lama.
Bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre alguém que acabou sendo corrido, quase à pedrada, da presidência da Mesa pelos seus pares, perante a acusação indefensável de ter extorquido dinheiro, quando ocupava o cargo de primeiro secretário da mesma Câmara, anos atrás, ao empresário que explora um dos restaurantes da Casa, para preferência na exploração do espaço.
Enfim, Severino Cavalcanti não é culpado de que a eleição do presidente da Câmara dos Deputados do Brasil tenha recaído sobre a sua própria pessoa.
A culpa está com quem o elegeu, a coberto de uma estratégia que acabou furada.
Com o objectivo de fazer frente ao candidato do partido no poder, Partido dos trabalhadores (PT), rotulado de esquerda, a oposição indicou Severino, deputado do conservador Partido Progressista (PP), no qual parte do próprio PT veio a votar também.
Pouco depois de eleito, o mesmo Severino estava a comer na mão do presidente Luís Inácio Lula da Silva, fundador do PT.
Sublime ironia da cena. Sublime ingenuidade da oposição. Sublime esperteza do presidente Lula. Sublime safadeza do PT. Sublime oportunismo de Severino.
E é a quem o elegeu que se deve a culpa, também, da tremenda confusão que vai naquela Câmara para arranjar um sucessor.
Severino, apesar de todos os estertores, golpes de cintura, desmentidos e indignações, caiu agora redondo na poça de lama que criou há anos atrás. Na queda, sujou a condecoração da Ordem do Rio Branco que poucos dias antes, sem qualquer justificação plausível, o presidente Lula lhe conferira publicamente, e que teve como resultado a repulsa, expressa também publicamente, por parte de diplomatas envergonhados de partilharem a mesma comenda.
Teria Severino previsto tal desfecho para a sua carreira de mais de 40 anos? Quando propôs brandura para os deputados corruptos, estaria já a salvaguardar as próprias costas?
Com a Câmara completamente arrasada na imagem e no funcionamento pelos escândalos político-financeiros que estão ainda a ser investigados, vai ser difícil para os mais de 500 parlamentares chegarem a um consenso sobre quem dentre eles estará em condições de representar a Casa, e orientar os seus trabalhos com a dignidade que o cargo exige.
Terá de ser alguém que reúna em simultâneo um conjunto de qualidades como honestidade, isenção, independência, conhecimento, experiência, e capacidade de mediação, negociação e liderança.
Há, com certeza, pessoas portadoras destes requisitos. O embaraço reside em encontrar uma figura que agrade a todas as forças em presença.
A reivindicação feita pelo PT, segundo a qual o partido com maior bancada, o próprio PT, teria direito a sugerir um nome, ainda que regulamentar é, neste momento, por demais absurda para ser levada em conta.
Afinal, ninguém se esquece que o PT é o centro de todo este ciclone, a origem de todo este mega-escândalo que levou o país à pior crise política dos últimos 20 anos. Até agora, foi este partido o que forneceu o maior número de implicados nos subornos, na colecta ilegal para financiamento de campanhas, na evasão de divisas, na lavagem de dinheiro. Muitos dos infractores estão ainda em fase de averiguações e depoimentos. As penas não foram estabelecidas, e muito menos aplicadas. O partido está desmembrado, com debandada de militantes e lutas internas pelo poder.
Em tal estado de coisas, o PT não pode ter a veleidade de sugerir seja o que for, com um mínimo de credibilidade e aceitação.
Na sua maior parte, os partidos estão contaminados pela imoralidade e pela vergonha, logo, sem condições de oferecer um candidato.
A base aliada é um desastre de corrupção, o mesmo acontecendo com alguns dos partidos oposicionistas. Qualquer candidato daí proveniente, por mais honesto que seja, suscitará suspeição e reservas.
Os pequenos partidos não têm força suficiente para, por si sós, polarizarem a unanimidade em torno de alguém. É pena. O PPS, por exemplo, Partido Popular Socialista, teria um bom nome para consideração, Denise Frossard.
A deputada é conhecida em todo o Brasil como um exemplo de coragem e dignidade. A sua experiência como juíza criminal leva ao público a imagem da defesa da legalidade, da legitimidade e da ética.
Alguém avançou a ideia de que seria interessante, por muitos motivos, ter uma mulher como presidente na Câmara dos Deputados. Ela reúne as condições. Outras haverá, por certo, mas Denise tem mostrado, através do protagonismo político, uma personalidade adequada ao exercício do cargo.
Até à decisão, o vice-presidente, deputado José Tomaz Nonô, do Partido da Frente Liberal (PFL), dará para segurar as pontas. Por quanto tempo e para quem, essa a grande incógnita – e a grande complicação.
Mas, bem vistas as coisas, Severino Cavalcanti não tem culpa disso.



sábado, setembro 03, 2005

Não há fumo sem fogo


O velho ditado português "não há fumo sem fogo", recorda-nos que um indício é um caminho possível para uma evidência. Se ela será revelada ou não, isso já é outra faceta do problema, e depende de muitas circunstâncias, uma das quais é a tenacidade daqueles que procuram, acima de tudo, a verdade, contra as manobras daqueles outros que, para ocultar pecado próprio, cultivam deliberadamente a mentira.
Nos últimos três meses, o Brasil tem vivido de negações. Nega-se que se fez e que não se fez. Nega-se que se esteve e que não se esteve. Nega-se que se foi e que não se foi. Nega-se que se disse e que não se disse. Se necessário for, com o mesmo à-vontade e a mesma desenvoltura se nega a própria existência.
Nos últimos três meses o Brasil tem vivido na mentira, da mentira e para a mentira, que são formas distintas mas complementares da mesma ocultação da verdade.
A prova mais evidente disso reside nos sinais que todos os dias nos são facultados, sob a forma de desmentidos de afirmações, desmentidos de desmentidos, e desmentidos de coisas que ainda não foram afirmadas nem desmentidas.
A quem observe esses sinais com uma disposição tanto quanto possível desapaixonada é dado começar a antever conclusões interessantes. Esses pequenos cacos de informação tornam possível ir montando a peça que, assim, vai crescendo e tomando forma, e cada vez mais se assemelha a um avantajado pote de Ali-Babá que alguns querem tornar invisível. Ora vejamos.
Primeiro exemplo. Delúbio Soares, ex-tesoureiro do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido no poder, José Genoíno, ex-presidente do mesmo partido, Duda Mendonça, publicitário que durante anos tem trabalhado para as campanhas deste partido, e Marcos Valério, empresário de publicidade de cujas contas saíram as astronómicas verbas, já lavadas e enxutas, destinadas a alimentar os escândalos político-financeiros patrocinados por este partido, quatro figuras totalmente envolvidas nos referidos escândalos, foram indiciados pela Polícia Federal (PF), acusados de lavagem de dinheiro, evasão de divisas e sonegação fiscal.
No dia seguinte, a PF volta atrás e passa o caso para a decisão do Supremo Tribunal Federal.
Segundo exemplo. Severino Cavalcanti, o presidente da Câmara dos Deputados, tem defendido, de forma mais aberta ou mais dissimulada, que os deputados contra os quais há provas de corrupção no exercício dos respectivos mandatos devem ser despenalizados ou sofrer penas brandas.
Isto deu origem a um terramoto, dentro e fora da Câmara, com ameaças de destituição do cargo, comentários extremados de desabono por parte de um número significativo de políticos, movimentos de desagravo da dignidade dos parlamentares, e vaias de homens ligados ao mundo dos negócios.
O presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, tem defendido a punição de todos os culpados no esquema de corrupção, e afirmado "cortar na própria carne" se necessário for.
Entretanto, homenageia Severino Cavalcanti, condecorando-o com a Ordem do Rio Branco, "destinada a galardoar os que, por qualquer motivo ou benemerência, se tenham tornado merecedores do reconhecimento do governo, servindo para estimular a prática de acções e feitos dignos de honrosa menção, bem como para distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas".
Terceiro exemplo. O mesmo Severino veio ontem a público defender-se de uma acusação que ainda não lhe foi feita, mas à qual ele quer antecipar-se desde já: a de que teria recebido comissões (propinas), da ordem dos 10 mil reais por mês, para favorecimento em licitações do dono de um dos restaurantes que servem a Câmara. Aguardemos o aparecimento da acusação e do respectivo acusador.
Quarto exemplo. Após as denúncias sobre o PT, que têm sido confirmadas, de obtenção ilegal de dinheiros públicos e privados para financiar campanhas eleitorais e comprar deputados de outros partidos, o presidente, José Genoíno, foi afastado. Perante a grave crise interna do partido, o presidente da República trocou o país pela acção partidária, e retirou o seu ministro Tarso Genro (PT) da chefia do ministério da Educação, onde decorrem importantes reformas do ensino universitário, colocando-o como presidente interino do PT.
Aproximam-se eleições no Partido dos Trabalhadores, e Tarso Genro foi considerado candidato natural. Acontece, porém, que da lista (aqui chamada chapa) para a direcção, faz parte José Dirceu, ex-ministro Chefe da Casa Civil de Lula, afastado na sequência dos escândalos que estão a ser averiguados, e outros mais antigos que começaram a sê-lo agora. Tarso Genro avisou de imediato que não queria Dirceu, uma eminência parda, na sua lista, e deu-lhe um prazo para ponderar a saída. Dirceu, que neste momento é objecto de um processo de cassação, suspensão dos direitos políticos por oito anos, negou retirar-se.
Saiu tarso, e Lula da Silva deixou-o cair. Agora, nem no ministério, nem no partido. Prova cabal que, mesmo afastado do governo e, aparentemente, sem acção no partido, Dirceu tem muita força. E muita cobertura também. E, talvez, ainda, muito a encobrir.
Quinto exemplo. Alguns dos Bancos envolvidos em toda esta tramóia vieram a terreiro defender que as operações financeiras da crista da corrupção foram efectuadas dentro dos preceitos da Lei. À cautela, demitiram directores financeiros, um director responsável pelas campanhas de publicidade, fecharam o crédito a partidos políticos, e ameaçam o PT de exigir o pagamento da dívida de alguns milhões por via judicial, envolvendo na queixa o empresário lavador de dinheiro Marcos Valério e o ex-presidente do PT, José Genoíno, que assinava de cruz, ambos avalistas dos empréstimos.
Sexto exemplo. Perante uma acusação de gastos elevados no Palácio do Planalto, a sede do governo, pagos com cartão de crédito, justificados através de facturas falsas, (aqui denominadas notas frias), a Casa Civil apressou-se a desmentir, dizendo que todo o material de escritório facturado fora entregue.
Poucos dias depois, a mesma Casa Civil é obrigada a reconhecer a existência de, pelo menos, 24 notas frias, entre 2000 e 2004, totalizando, até agora, 11 mil reais (um real vale, aproximadamente, 0,33 euros), passadas por uma empresa que está em situação fiscal irregular desde 2002.
Resumindo, houve notas fiscais falsas, escrituradas por uma empresa na ilegalidade, para justificar despesas da Administração Lula da Silva que não puderam ser justificadas legalmente, ou, pelo menos, com legitimidade. O sistema de cartões de crédito no Palácio do Planalto tinha sido adoptado para dar mais transparência aos gastos do governo, gastos que estão agora a ser analisados pelo Tribunal de Contas da União.
Sétimo exemplo. O advogado Rogério Buratti, secretário municipal em Ribeirão Preto, cidade do Estado de São Paulo, no tempo em que o presidente do município (que aqui tem a designação de prefeito) era o actual ministro da Fazenda, António Palocci, do PT, revelou recentemente que a prefeitura recebia 50 mil reais por mês em comissões da principal empresa de colecta de lixos da cidade, Leão Leão, a grande e habitual ganhadora dos processos de licitação da autarquia.
Os dinheiros seriam canalizados para o PT, na pessoa do seu tesoureiro Delúbio Soares, hoje arredado de funções e suspenso por tempo indeterminado, devido aos apuramentos que têm sido feitos no que respeita à sua conduta, enquanto responsável pelas finanças do Partido dos Trabalhadores.
O ministro da Fazenda, dois dias depois, em conferência de imprensa (entrevista colectiva) desmente tudo, mas poupa de forma ostensivamente protectora o advogado.
Buratti é chamado a depor numa das três Comissões Parlamentares de Inquérito a funcionar actualmente, e reafirma tudo o que dissera antes, mas retribui a gentileza, poupando, também, o ministro Palocci. Amor com amor se paga.
Durante as inquirições dos membros da Comissão, Rogério Buratti refere o nome de Juscelino Dourado, chefe de gabinete do ministro Palocci, de tal forma que leva a supor alguma influência do advogado na agenda do ministério. Dourado fez parte da equipa de Palocci em Ribeirão Preto, e aí conviveu com Buratti, e com ele teve uma sociedade. Ele São amigos há 15 anos. Buratti é seu padrinho de casamento.
A Comissão de Inquérito decide ouvir Juscelino Dourado. O depoimento é longo. O depoente procura ser fiel ao seu actual patrão, Palocci, e ao seu amigo de longa data, Buratti. Confrontado com perguntas incisivas de alguns parlamentares, hesita entre um e outro, quanto àquele que será mais verdadeiro nas afirmações, o que não passa despercebido à Comissão.
Em determinado passo, vem a propósito referir o contrato feito entre a Gtech, empresa americana multinacional que controla o processamento das loterias, e a Caixa Económica Federal, detentora do jogo. O contrato foi francamente ruinoso para esta instituição. A Caixa depende do ministério da Fazenda, de Palocci, portanto.
Há a denúncia de que a Gtech terá oferecido à Caixa uma comissão, que poderia variar entre alguns milhares e alguns milhões de reais, para ver aprovado o contrato em determinadas condições. A proposta teria sido levada a Palocci e por ele rejeitada. Mas o contrato foi aprovado. A Comissão pretende, então, saber se o relatório de que consta o contrato e as condições chegou ao conhecimento de Palocci, para apreciação e decisão, uma vez que a Caixa depende do ministério da Fazenda. Dourado não se lembra. Os parlamentares insistem. Procurando disfarçar uma ligeira irritação, o chefe de gabinete de Palocci repete que não se recorda, mas compromete-se a fazer diligências para averiguar se tal documento entrou ou não no ministério, e a dar conhecimento disso aos inquiridores.
Aparentemente todo o depoimento correu bem, apesar de longo, sem fugas às perguntas, com a tranquilidade de quem está perfeitamente seguro no que diz.
No dia seguinte, Juscelino Dourado pede a demissão de funções de chefe de gabinete do ministro, o que é imediatamente aceite. Prescinde, assim, de um salário de 11 mil reais, apesar dos inúmeros compromissos financeiros que tem para com a banca durante um número apreciável de anos (automóvel, aquisição de terreno, construção de casa de 300 m2), conforme divulgou durante as declarações. Ao mesmo tempo, os parlamentares vão ficar sem saber se a negociata entre a Gtech e a Caixa Económica Federal foi, ou não, avalizada pelo ministro da Fazenda. Providencial.
Oitavo exemplo. Em Janeiro de 2002, ano de eleições presidenciais, Celso Daniel, do PT, presidente da autarquia de Santo André, cidade do Estado de São Paulo, é assassinado. A polícia conclui por crime comum, sequestro seguido de homicídio. O Ministério Público não concorda com esta versão, e defende que o sucedido foi um crime político, mas o caso é encerrado, com alguns intervenientes presos. Um destes, pouco tempo depois, é morto à facada na cadeia, em circunstâncias estranhas, por um grupo de encapuzados que se supõe não serem internos do presídio.
De então para cá, mais seis pessoas relacionadas com o caso foram assassinadas.
Três anos depois, por pressão da família, em particular do seu irmão, o médico oftalmologista João Francisco Daniel, o processo é reaberto, e a polícia concorda agora com a versão do Ministério Público, e subscreve a tese de crime político. Enquanto as investigações prosseguem, as revelações vêm em cascata.
Segundo a opinião de um perito criminologista, Celso Daniel foi torturado, assassinado e, depois de morto, baleado várias vezes.
O advogado que, por parte do PT, acompanhou o processo, é contra a reabertura do inquérito, alegando que nada de novo haveria para descobrir. José Dirceu, na época presidente do PT, é, entretanto, acusado de, nessa ocasião, ter impedido a investigação por parte do Ministério Público.
João Francisco Daniel afirma que haveria em Santo André um esquema montado pelo PT para arrecadação ilegal de verbas destinadas à campanha do candidato Luís Inácio Lula da Silva. Segundo o irmão do prefeito, este possuiria um espesso caderno com nomes de pessoas e empresas envolvidas. A obtenção desse caderno por parte de alguns visados terá estado na origem da tortura e do assassinato.
Um dos detidos acusados de terem participado na chacina revelou agora que o crime foi encomendado por um milhão de reais.
Poucos dias depois do funeral, João Francisco Daniel foi visitado por um tal Gilberto Carvalho, que lhe terá declarado, perante testemunhas, que Celso sabia do esquema de recolha de dinheiro, ao qual se opunha frontalmente, tentando desmantelá-lo. Ele mesmo, Gilberto Carvalho, recebia o dinheiro, o transportava para São Paulo, e o entregava ao presidente do PT, José Dirceu.
Gilberto Carvalho é hoje o chefe de gabinete do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Na verdade, não há fumo sem fogo, e com a fumaça que por aqui paira, densa e suja, o fogo deve ser grande e andar a queimar material muito inflamável. Não parece haver extintores nem bombeiros disponíveis para tamanhas proporções. É deixar arder. Resta a esperança de que seja um fogo purificador.



sexta-feira, setembro 02, 2005

Severino, o Brando. Luís, o Agradecido.


Severino Cavalcanti, o presidente da Câmara dos Deputados do Brasil, terceira individualidade na escala hierárquica da República, comporta-se como quem não tem medo de escorregar em velocidade vertiginosa pela tábua encebada do Poder. Talvez tenha as suas razões.
De longa carreira política, deputado do Partido Progressista (PP), partido que integra a base aliada do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, este pernambucano de 74 anos sempre se tem orientado pelas ideologias conservadoras.
Por isso, a sua eleição, no início deste ano, para presidente da Câmara num governo dominado pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o partido do governo, que tinha o seu candidato, foi considerada pelos observadores locais como uma derrota política do presidente Lula, facilitada pelo voto secreto que proporcionou uma fuga às alianças estabelecidas.
No entanto, mais do que o voto numa figura, em particular na figura de Severino, esta eleição constituiu para a Administração Lula da Silva um sinal do desagrado da base aliada, perante a forma como o Poder estaria a ser distribuído. Tanto assim que, alguns meses depois, Lula se viu obrigado a substituir, sem razão aparente, o ministro das Cidades, do seu próprio partido, por um técnico "sugerido" por Severino. Criou-se, assim, mais uma relação ambígua de "facturas a pagar", entre Legislativo e Executivo.
Pouco depois da eleição, o primeiro acto político de Severino foi a proposta escabrosa de aumento de salário dos deputados em cerca de 83%. Talvez, até agora, a sua maior e mais relevante iniciativa na Câmara, a proposta acabou rejeitada por uma maioria de parlamentares ainda com um mínimo de vergonha na cara.
Esta proposta e as eventuais pressões para a substituição, acima referida, do ministro das Cidades por alguém que, embora não sendo filiado no PP, tem com o partido relações estreitas mostram a finura política deste cidadão que coordena os trabalhos do órgão legislativo brasileiro.
Sem estatura nem prestígio de homem de Estado, na opinião de muitos, cada vez com maior frequência tem vindo a ser acusado de se valer do cargo que ocupa para angariar lugares políticos e empregos estatais para familiares. O seu gabinete integra seis pessoas de sua família, fazendo jus a uma declaração que proferiu numa solenidade, em que, com grande clareza e ainda maior desaforo, defendeu a inclusão em cargos públicos de parentes sem concurso prévio.
Permanentemente a tropeçar nas ideias e nas palavras, Severino foi recentemente vaiado por mais de 1000 empresários, durante um almoço em que se atreveu a tentar pôr alguma água na fervura do caldeirão dos escândalos político-financeiros que assolam o país, e que deram origem à expressão banalizada mar de lama.
Este incidente mostra em que ponto de efervescência se encontra a sociedade brasileira, mesmo a tradicionalmente mais serena, perante o desdobrar do esquema de corrupção, da responsabilidade do partido no poder, PT, com capilaridades extensivas a outros partidos e a empresas públicas e privadas, nacionais e estrangeiras, arrastando para o centro da tempestade homens da política e do mundo dos negócios.
Mas Severino não se deu por achado nem aprendeu a lição. Só que, desta vez, ergue-se dentro da própria Câmara o alarido contra ele, e não é pequeno.
Os seus pares já vão dando mostras de estar a perder o respeito que, pelo menos de modo formal, mantinham, e afirmam publicamente que Severino é um homem impreparado para o cargo que ocupa. As declarações que sem pudor profere perante variadas assistências comprometem a própria base aliada, a que o seu partido pertence. E há quem grite em pleno plenário que se cale, que deixe de falar em público, senão será constituído um movimento para o derrubar.
A gota de água que fez transbordar o copo foi uma entrevista recente ao jornal "Folha de São Paulo", em que preconizou a despenalização, ou a aplicação de penas brandas, para os deputados envolvidos no comprovado esquema de subornos que visava obter votos favoráveis para as propostas do partido do governo. Esta posição já ele vinha sustentando há algum tempo, e, embora de forma velada, estava a causar algum constrangimento entre os deputados.
É verdade que o seu partido, o PP, Partido Progressista, também foi beneficiado por aquele esquema, mas, e até por isso, seria de esperar uma postura mais idónea da parte do presidente da Câmara.
As reacções estouraram e transbordaram da Casa.
Acusado na tribuna de pretender fazer uma operação abafa para impedir deputados protegidos de sofrerem cassação, perda de mandato e de direitos políticos por oito anos, foi ele próprio ameaçado de cassação. O deputado Fernando Gabeira, do Rio de Janeiro, do Partido dos Verdes, afirmou que "a sua presença na presidência da Câmara é um desastre para o país". O deputado por Pernambuco Roberto Freire, presidente nacional do Partido Popular Socialista (PPS), declarou à imprensa que "as Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI´s) não podem estar na mão de um irresponsável como Severino Cavalcanti".
Fora da Câmara as movimentações contra Severino também se fazem sentir. Duas das três CPI´s em funcionamento apresentaram um relatório conjunto para cassação dos 18 deputados, os apurados até agora, que se deixaram subornar. Isto com o beneplácito do presidente do Senado, Renan Calheiros, do Partido do Movimento Democrático Brasileiro (PMDB), do Estado de Alagoas. O senador Jorge Bornhausen, do Estado de Santa Catarina, presidente do Partido da Frente Liberal (PFL), disse à imprensa que Severino está "sem condições de ser presidente da Câmara".
Na última quarta-feira foi lançada a Frente Pró-Congresso, movimento iniciado por 60 deputados de vários partidos, que pretende, através de acções levadas a efeito por todo o país, dignificar a função e resgatar a imagem de honestidade e transparência que deve ser bandeira da Câmara.
Com tantas e tão pesadas manifestações de desagrado, como irá comportar-se Severino? Tudo dependerá dos apoios que tem, ocultos e explícitos, e do bom senso que ainda lhe reste, ou aos seus conselheiros, para ponderar a gravidade da situação que não admite jogos de esconde-esconde.
Entretanto, o presidente Luís Inácio Lula da Silva agraciou-o ontem, dia 1º de Setembro, com a Ordem do Rio Branco, "destinada a galardoar os que, por qualquer motivo ou benemerência, se tenham tornado merecedores do reconhecimento do governo, servindo para estimular a prática de acções e feitos dignos de honrosa menção, bem como para distinguir serviços meritórios e virtudes cívicas".
Palmas para ambos.