quinta-feira, novembro 02, 2006




A actual crise política brasileira, nas suas causas, no seu desenvolvimento, nas suas possíveis consequências, justifica uma página a ela exclusivamente dedicada.
Ao guardar aqui todas as crónicas publicadas sobre o assunto no "Caderno de Viagens", suplemento do "Aparas de Escrita", pretende-se que o leitor possa acompanhar de forma mais linear o desenrolar dos acontecimentos.
A crise deixou de ser uma banal denúncia de corrupção na estatal Correios e Telégrafos, desencadeada por actos de um funcionário que exigia de empresários comissões (ou propinas, como se diz aqui), em troca de benefícios em licitações, o âmbito do sector que ele dirigia, para se transformar num dos maiores escândalos brasileiros, conhecido por mar de lama. O funcionário era apenas uma sardinha num mar de tubarões.
Não se sabe o que predomina, se a crise política, se a crise ética. Seja como for, ela já fez afundar número suficiente de figuras da Administração e de empresas públicas e privadas de reconhecida notoriedade na cena brasileira, criando e alimentando uma situação cada vez mais preocupante para o governo.
A procissão, que ainda vai no adro, aproxima-se perigosamente do palácio do Planalto, a sede do governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Este, por sua vez, procura distanciar-se do Partido dos Trabalhadores (PT), partido que ajudou a criar e que constitui a sua principal base de apoio político e social.
Ao mesmo tempo, tenta proteger alguns dos mais chegados colaboradores, geralmente seus amigos íntimos, directa e inequivocamente implicados nas sucessivas revelações que todos os dias são presentes aos cidadãos pasmados.
Dois erros políticos, a meu ver. A defesa de corruptos e de corruptores e o afastamento do seu partido poderão torná-lo mais vulnerável a acções radicais da oposição, e talvez não só, quer no que diz respeito à continuação do actual mandato, quer no que toca a uma eventual recandidatura, se ela ainda for possível, no ano de 2006 que se aproxima.
Por outro lado, o populismo, via para a qual parece ter começado a derrapar, é uma táctica perigosa que já teve efeitos nefastos noutras épocas da história do Brasil. A de Getúlio Vargas, há pouco mais de 50 anos, foi uma delas.
Entretanto, o país corre o risco de começar a boiar à deriva. Se tal acontecer, não faltarão "salvadores de plantão" para o levar, a bem ou a mal, ao porto que, no seu querer, considerem, no momento, o mais seguro.
Por tudo isto, pois, parece não ser despropositada esta página dirigida em exclusividade à actual situação política brasileira.



"Terão de me engolir"


No dia 29 de Outubro os brasileiros votaram, de novo, nessa figura que, nos primeiros quatro anos, após ter dito que tudo seria diferente, tendo por bandeira a Ética, deixou que se roubasse o erário público até dizer basta (que não disse), roubos esses praticados por membros do seu governo presidencialista e do seu partido (PT – Partido dos Trabalhadores).
O último ano de governação foi um estourar de sucessivos e graves escândalos políticos e financeiros.
Além disso, 70% das empresas abertas no Brasil em 2004 fecharam no mesmo ano, segundo pesquisa do IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística). As indústrias de calçado, vestuário, electrónica e brinquedos, para só mencionar algumas, entraram em ruptura, devido a uma política cambial que mantém o dólar americano artificialmente baixo, com todas as consequências nas exportações, e ao choque de produtos estrangeiros baratíssimos, principalmente da China. Em quatro anos o salário médio teve uma queda de 6,4%. O crescimento económico (2%) foi o mais baixo de toda a América Latina, e o penúltimo dos países emergentes (eufemismo para "subdesenvolvidos"). A agricultura e a agro-pecuária estão caóticas. O avião presidencial custou mais do que o investimento em saneamento básico (89% dos esgotos são despejados directamente nos rios sem tratamento). Enfim, na conjuntura salvam-se pouco mais do que as frases bombásticas triunfalistas do presidente, Luís Inácio Lula da Silva, e dos seus apaniguados.
Quanto aos escândalos de corrupção, o presidente Lula limita-se a dizer e repetir que só sabe que nada sabe.
Mesmo assim os votos reelegeram-no, distanciando-o do seu adversário tucano (nome que se dá aos integrantes do PSDB, Partido Social-Democrata Brasileiro) por cerca de 20 milhões de votos – curiosamente, ou, talvez, nem tanto, pensando bem, o número aproximado de analfabetos (incluindo os funcionais) e miseráveis (há-de fazer-se o cruzamento dos números destas duas categorias que deverá apontar para qualquer coisa como à volta de 30% da população actual do Brasil a caminho dos 200 milhões).
É verdade que não foi só o voto dos desfavorecidos que deu a vitória a Lula; funcionaram, por certo, apoios estratégicos clandestinos ou anónimos, a coberto do secretismo do voto; e o PSDB ajudou a construir a derrota do seu candidato que, no fim do primeiro turno, se apresentava com alta probabilidade de vir a ser o vencedor final: o candidato mostrou, inicialmente, alguma desorientação, parecendo não estar preparado para o arranque da campanha na segunda volta; o tom assertivo do candidato no primeiro debate televisivo não foi suficientemente trabalhado, e acabou por ser considerado agressividade pelos eleitores, que reagiram mal; alianças aceites pelo candidato com figuras ligadas à corrupção no Rio de Janeiro provocaram alguma perturbação, largamente difundida pela comunicação social, entre partidos e personalidades apoiantes, com reflexos negativos na opinião pública; o próprio PSDB mostrou em vários momentos da campanha falta de coesão, com especial relevância para declarações de algumas das suas figuras carismáticas, como o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso (1994 – 2001), que contradiziam afirmações de campanha do candidato.
Mas, para além da relevância do "fogo amigo" e das amizades de ocasião, foi, de facto, na região pobre do Norte e na miserável do Nordeste que o peso das preferências por Lula se fez sentir, com uma diferença, respectivamente, de 31,18% e 54,26% de votos, isto, independentemente de ter suplantado o adversário em 20 dos 27 blocos da União (26 Estados e o Distrito Federal). Nos 7 Estados em que perdeu, mais a emigração, Lula ficou a menor distância do candidato do PSDB do que este nas suas perdas.
Ou seja: apesar de todos os "acidentes" de percurso dos primeiros quatro anos, Lula conseguiu arrecadar 60,83% dos votos, mais do que há quatro anos, quando se apresentou ao eleitorado como o candidato da mudança, da esperança num Brasil diferente. Um resultado que é um quebra-cabeças para a análise política, mas que pode ser esclarecido se se pensar no predomínio do voto emocional sobre o voto de opinião.
Afinal, aos beneficiários dos subsídios chamados "Bolsa Família" pouco importa que esta ajuda económica perpetue o desemprego e não conceda dignidade ao beneficiado; por outro lado, não se apercebem de que 49% desta ajuda são posteriormente retirados sob a forma de impostos. Onde a fome é permanente, 1 pão vale 1 voto, mesmo que o votado disponha para si de toda a padaria.
Lula, nas primeiras declarações após os resultados que o deram como reeleito, prometeu que a prioridade do seu governo será a qualidade de vida da camada pobre. Louvável; louvável e pragmático, já que foi aí que angariou grande número de votos que o elegeram.
Mas elevar os pobres à custa de quê e/ou de quem?
Se tentar fazê-lo segundo a perspectiva de um figurino ultrapassado, levianamente esquerdista, em que têm tido papel preponderantemente indicativo de um rumo as ocupações selvagens e destruidoras de propriedades produtivas privadas por parte do MST, Movimento dos Sem Terá, que Lula tem avalizado e, até, aplaudido, esquivando-se a pôr em marcha uma verdadeira reforma agrária (que, por oportunismo, os próprios MST não querem), o desenvolvimento brasileiro será trôpego e disforme, uma vez que a classe média, já tão flagelada e delapidada, tenderá a resvalar, cada vez mais e mais perigosamente, para a faixa da pobreza.
O Brasil só se tornará uma sociedade mais justa e integrada quando puder afirmar-se através de um desenvolvimento sustentado que proporcione maior riqueza para uma maior e melhor distribuição dos rendimentos, saltando do penúltimo lugar no ranking mundial nesta matéria (o último é a Serra Leoa).
Mas para que tal aconteça, necessário se torna estimular o investimento, aumentar a produção e criar postos de trabalho, o que não se consegue, de todo, com um crescimento económico de 2%. Menos de 5 ou 6% não permitirão ao Brasil criar emprego e dar o tal salto qualitativo que Lula da Silva tanto vem apregoando, até agora sem sucesso.
Salto qualitativo, ele, Lula, deu, duplicando o seu património registado nos primeiros quatro anos de mandato. Muitos dos seus colaboradores e correligionários, porventura menos avisados ou menos protegidos, ao tentar assegurar o futuro ficaram a contas com a Justiça. Outros safaram-se. Mas, se a Justiça não tiver cegueira selectiva, muito lixo vai sair de debaixo do tapete. O próprio Lula tem um processo a decorrer no Supremo Tribunal Eleitoral, por suspeita de envolvimento num processo de campanha de contornos menos transparentes.
Até 1 de Janeiro, início oficial do novo mandato, muita água vai correr sob as pontes. E talvez muitos votos torçam a orelha – sem sangue.



terça-feira, outubro 03, 2006

A votos de novo por vontade do povo



Das cinco regiões do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva só ganhou em duas nestas presidenciais do 1º de Outubro: Norte e Nordeste, as mais iletradas, miseráveis e subdesenvolvidas, o que já era de esperar, por ser a clientela mais fiel do presidente; nas restantes, Centro Oeste, Sudeste e Sul, mais produtivas, mais prósperas e mais civilizadas, e nas secções do estrangeiro, a maioria de votos contemplou o seu Adversário Geraldo Alckmin, do PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), ex-governador do Estado de São Paulo.
Foi precisamente o Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral, com 28 milhões de eleitores, cerca de 1/4 do eleitorado do Brasil, que contribuiu decisivamente para o segundo turno.
Nesta primeira derrota de Lula nas presidenciais de 2006, os analistas são unânimes em apontar os factores relevantes:
- os métodos usados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o partido que apoia Lula, e que protagonizou os escândalos políticos e financeiros que têm enchido o espaço e o tempo da imprensa nacional e estrangeira, os métodos usados nos complexos e, por vezes, obscuros processos sindicais (grande parte dos quadros do PT foi recrutada no meio sindical, donde o próprio Lula é oriundo) não resultaram no processo político democrático;
- Lula fugiu sempre dos debates com os seus adversários; não compareceu a um único dos que estavam programados; muitos eleitores o consideraram cobarde, desrespeitoso e presumido;
- ainda que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, conhecido internacionalmente como cantor, tenha dito recentemente num evento realizado no estrangeiro que "a ética não faz parte da índole do brasileiro, a corrupção faz", e não é a única figura prestigiada, dentro e fora do Brasil, a dizer isso, a verdade é que os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo o presidente, o seu partido e o seu governo recordaram na opinião pública as promessas de Lula e do PT, em 2002, de que tudo seria diferente, sob a bandeira da ética, contra a corrupção instalada no Estado e nas suas instituições, e de que o novo governo não roubaria nem deixaria roubar; viu-se, foi o que foi de fartar vilanagem;
- a última patifaria, o caso da tentativa de compra de um dossier que, supostamente, incriminaria o candidato à presidência, Alckmin, e o candidato José Serra, também do PSDB, ao governo do Estado de São Paulo (que ganhou com folgada margem), caso que o presidente do Supremo Tribunal Eleitoral considerou pior que o escândalo Watergate do presidente americano Nixon, no início dos anos 70, foi a gota de água para o eleitorado;
- como dizia em entrevista de rua o ex-presidente da República (1994-2002) Fernando Henrique Cardoso, "Lula tem ainda alguma popularidade, mas perdeu respeito; pode-se governar sem popularidade, sem respeito não".
A falta de vergonha na cara é uma característica comum à generalidade dos políticos brasileiros, mas o eleitor também não se dá ao trabalho de questionar o perfil dos candidatos.
No corrente ano, 192 deputados trocaram de partido durante a legislatura.
Paulo Maluf, um ex-governador do Estado de São Paulo e ex-presidente do município da capital do mesmo Estado, foi preso a meio de 2006 acusado de formação de quadrilha, corrupção, desvio de fundos públicos (uma soma astronómica), lavagem de dinheiro, evasão fiscal e fuga de capitais para contas no estrangeiro; pouco tempo depois foi solto sem explicação plausível; acaba de ser eleito deputado federal por São Paulo, e avisou já, em entrevista, que não sabe se cumprirá o mandato no partido onde se elegeu, ou se migrará para outro que o acolha e lhe ofereça melhores condições políticas.
Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República que renunciou em 1992, face a um "impeachment" resultante de um descarado e avultado assalto ao erário, foi eleito no domingo senador pelo Estado de Alagoas.
José Serra, o vencedor folgado dos candidatos a governador do Estado de São Paulo, era, até agora, o presidente do município da capital deste Estado; quando foi eleito para chefiar a autarquia, garantiu aos seus apoiantes, publicamente, que jamais deixaria o cargo, fosse qual fosse o motivo, senão no fim dos quatro anos de mandato; dois anos depois da promessa, a meio do período de vigência, candidatou-se a governador do Estado e ganhou.
Metade dos deputados, num total de 513, não conseguiu reeleger-se; mas, dos 62 acusados de envolvimento nos escândalos de corrupção que têm vindo a público desde o início do ano, 57 recandidataram-se, e, destes, 13 conseguiram ser reeleitos.
"Se eu me recandidatar, terão de me engolir por mais quatro anos". Parecem cada vez mais longínquos os fundamentos para esta afirmação de Lula da Silva (e outras semelhantes), durante um comício com metalúrgicos, se não me falha a memória, há poucos meses. A arrogância tem efeito boomerang sobre a cabeça do arrogante.
A campanha decorreu sem brilho, com muito pouca motivação, sem qualquer tipo de discussão sobre os respectivos programas de governo. De resto, Lula detesta confrontos, detesta que lhe coloquem questões e problemas, mesmo por parte dos seus colaboradores, o que o levou a fugir de todos os debates conjuntos, organizados pela comunicação social – e lhe custou caro.
A nova campanha que, entretanto, já começou, terá de ser diferente. A par da conquista de votos no terreno, os candidatos finalistas terão de articular alianças nos bastidores com os candidatos e os partidos excluídos, e, publicamente, defender os respectivos projectos, sozinhos e frente a frente. Goste ou não Lula, assim será.
A votação, em si, correu com tranquilidade, na opinião geral dos comentadores. Apesar de várias detenções por irregularidades eleitorais, entre juízes, fiscais de mesa, fiscais de partido, candidatos e populares, apesar do sequestro de fiscais de mesa e políticos, por parte de uma tribo de índios que reivindicavam gasolina e alimentos, apesar do roubo de 13 computadores, no Rio de Janeiro, que transmitiriam os dados ao banco central de dados, apesar do naufrágio, no Amazonas, de uma barcaça com todas as urnas de uma secção de voto, apesar de isto tudo e de mais incidentes e acidentes, as coisas correram bem neste colégio eleitoral que é o maior do mundo depois da índia e dos EUA.
Há muito que o Brasil deixou de praticar a votação por boletim de voto. Dos poucos países do planeta que usam o sistema de urnas electrónicas, totalmente seguro, segundo garante, já emprestou por diversas vezes o sistema e o equipamento para outras nações da América do Sul. Nestas eleições, menos de 1% das urnas tiveram de ser substituídas por deficiência.
Nada leva a crer que o próximo acto eleitoral, no dia 29, possa ser menos pacífico, apesar da perspectiva de combate voto a voto dos candidatos.
Quem sairá vencedor, é cedo para prognosticar, dada a proximidade de resultados obtidos pelos dois candidatos, com alguma vantagem de pontos para Lula.
Quanto às pesquisas, elas nem sempre primam pela aproximação à realidade. Como disse um ex-governador, "a grande pesquisa é a do dia das eleições".
Entretanto, será bom não esquecer que decorre no Tribunal Superior Eleitoral uma acção contra a candidatura de Lula, por suspeita de cumplicidade no caso do dossier que seria usado para desvirtuar a imagem dos candidatos do PSDB, Alckmin e Serra, e de angariação ilegal de fundos.
Se o TSE o condenar, curta vida política terá, podendo, mesmo, não haver necessidade de segundo turno.

* O slogan de Lula durante a campanha eleitoral de 2006 foi "É Lula de novo com a força do povo".



sábado, setembro 30, 2006

Mão de ferro em luva de veludo

Nem sempre a fera de olhos fechados está adormecida. Por vezes ouve e apercebe-se do que a rodeia melhor do que quem julga estar acordado.


As Forças Armadas brasileiras têm-se mantido serenas e silenciosas diante da verdadeira catástrofe de escândalos políticos e financeiros que têm atascado o Brasil, vindos a lume desde o princípio do corrente ano.
Há quem pense "demasiado serenas e demasiado silenciosas; preocupantemente tranquilas".
Se a "fera" acorda do seu aparente sono letárgico para tentar pôr alguma ordem na casa, já que quem o deveria fazer se mostra incompetente para tal, mal ou bem muita coisa pode tornar-se, de repente, capacho de bota militar.
Na verdade, não é do âmbito das FA imiscuírem-se nos assuntos da governação. Mas também é certo que, tal como a Igreja, ou as Igrejas, é um parceiro social com direito a voz.
E, a pouco mais de uma semana das eleições, mais precisamente no passado dia 21, romperam o silêncio e divulgaram uma nota conjunta, assinada, respectivamente, pelos Presidente do Clube Naval, Almirante de Esquadra José Júlio Pedrosa, Presidente do Clube Militar, General do Exército Gilberto Figueiredo, e Presidente do Clube de Aeronáutica, Tenente de Brigada Ivan Moacyr de Frota.
Nesse documento que nos chegou às mãos por cortesia de um militar português de alta patente, os três oficiais superiores referem-se às principais ilegalidades com que os brasileiros têm sido confrontados, referindo que "A Nação a tudo assistiu, aturdida pela desfaçatez de homens públicos e membros do governo. A partir de então [o primeiro escândalo revelado], todos os dias são tornados públicos novos escândalos, sempre envolvendo pessoas próximas ao Governo, ao Presidente ou ao seu Partido. As demissões, forçadas pelas circunstâncias e pelo constrangimento político, nunca foram acompanhadas de completa apuração e das punições necessárias. A sucessão de casos escabrosos e de actos de corrupção já não surpreende o brasileiro honesto".
À frente, a propósito das fraudes mais recentes (objecto de algumas das nossas crónicas anteriores), afirmam que "Já se torna evidente que a corrupção não é somente um ilícito do qual se beneficiam pessoas e grupos, mas sim algo que se transformou em meio de conquista e manutenção do poder. A sensação é de perigo iminente à Democracia. Por isso os Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica, por seus presidentes, sentem-se no dever de manifestar, publicamente, sua indignação com esse estado de coisas e de ressaltar a importância das próximas eleições como instrumento à disposição do povo brasileiro para o saneamento da vida política nacional".
Apesar de o documento não ter tido eco na comunicação social, aí está o recado, indiscutivelmente claro, para quem o souber ler e tiver a coragem (e a capacidade) de meditar sobre ele.
Os políticos brasileiros estão demasiado confiantes no funcionamento das instituições da frágil democracia do Brasil, tão frágil que tem permitido o alastramento, dia após dia, do lodaçal de crimes contra a República.
Ao menosprezar um eventual interesse das FA em fazerem-se ouvir quanto à condução dos negócios da União perante o estado caótico de corrupção quase generalizada a que se chegou, esses políticos poderão acordar um dia da sua néscia sonolência com uma grande surpresa – grande e desagradável.



quinta-feira, setembro 28, 2006

Este espantoso Brasil


O Brasil sofre uma profunda, ampla e duradoura crise de ética que envolve praticamente toda a sociedade brasileira, em graus diferentes, conforme os patamares em que se manifesta, e que se repercute em todas as actividades.
Aumento exponencial de agressões a mulheres e a crianças que obrigou à criação apressada de leis especiais e rigorosas para conter o surto. Maior frequência de crimes passionais como forma de resolver questões amorosas (?).
Árbitros de futebol com processos judiciais por terem sido comprados para forjarem resultados de desafios. Jogadores internacionais completamente apáticos e desinteressados na selecção do campeonato mundial de futebol, para poderem estar em forma nas equipas estrangeiras onde auferem ordenados milionários.
Quase 2 mil casos de abusos sexuais cometidos por padres católicos. Pastores protestantes comprometidos com ilegalidades, envolvendo avultadas verbas em moeda nacional e estrangeira; uso, por estes pastores, da religião e das suas principais figuras míticas para conquista de votos em campanhas políticas.
Como alternativa ao ensino público, de má qualidade, proliferação de colégios particulares de elevado custo, onde, mediante pagamento acrescido, os alunos se submetem a aulas suplementares (ditas de reforço), com mais de cem participantes, porque os professores das aulas normais, os mesmos das aulas suplementares, não cumprem os objectivos. Os meses em que não há aulas são cobrados como se as houvesse.
Mortandade nos principais hospitais públicos do país por negligência, erro médico ou falta de pessoal.
Furtos, roubos, assaltos, sequestros, estupros, assassinatos constituem os principais temas de abertura dos noticiários locais televisivos e das manchetes dos jornais. Agentes das penitenciárias e das polícias são coniventes com os bandidos; protegem-nos e, em muitos casos, fornecem-lhes armas e fardamentos.
Juros de 144% ao ano (os maiores do planeta). A segunda pior distribuição de renda do mundo. Mais de 50% da mão de obra a trabalhar no mercado paralelo, aqui chamado, eufemisticamente, "informal", mercado em que assenta 40% da economia (excluindo deste cômputo o contrabando de armas e de produtos de consumo corrente e material electrónico, proveniente, em particular, do Paraguai, e o narcotráfico; só no dia 26 do corrente mês, um posto da fronteira alvo de uma operação especialmente montada pelas Contribuições e Impostos, que aqui tem o nome de Receita Federal, e pelo Exército, foram apreendidos 2 milhões de reais de mercadorias ilegalmente entradas no país com, apenas, 5% de veículos fiscalizados; 1 real vale cerca de 0,36 euros).
Desde Março deste ano que o país vive atolado em sucessivos escândalos políticos que arrastam escândalos financeiros, enredando ministros, senadores, deputados federais e estaduais e autarcas, na classe política, juízes e advogados, na debilitada Justiça, e empresários acusados de sobrefacturação em serviços prestados ao Estado e lavagem de dinheiro.
Em todas estas ilegalidades, com especial incidência no assalto aos cofres públicos de bilhões de reais, têm estado à cabeça, como mentores ou executores, destacados elementos do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido que apoia o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, agora candidato a novo mandato de 4 anos.
As ligações de Lula da Silva ao PT são muito estreitas – foi seu fundador e dirigente máximo – e a maioria dos implicados nos crimes são seus amigos pessoais de longa data.
Algumas das tramóias tocaram de muito perto a presidência da República, e, com gravidade acrescida, o presidente Lula, chefe do governo de sistema presidencialista, sempre disse desconhecer os labirintos das ocorrências – até os praticados pelos seus mais íntimos colaboradores, com gabinetes no mesmo piso do palácio presidencial. Mais tarde, por serem inverosímeis perante a opinião pública tais protestos de desconhecimento, passou a tentar justificar os actos com a tradição, isto é, se sempre foi assim, porquê o espanto?
Tais e tantas foram as patifarias, que chegou a falar-se em "impeachment". No entanto, a oposição, embora dividida, considerou não ser oportuno, pesando para a decisão o facto de ser ano de eleições.
Apesar das tempestades, o presidente Lula tem-se mantido à tona de água, qual rolha de cortiça na crista da onda em mar encapelado. Muito lhe tem valido o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, seu velho e dilecto amigo, especialista nestas andanças – ex-advogado criminalista; não terá sido por acaso a sua escolha para a pasta...
Com eleições marcadas para o 1º de Outubro próximo (deputados estaduais e federais, senadores e presidente da República), Lula tem apregoado, talvez com excessivo e leviano triunfalismo, a sua vitória logo na primeira volta, aparentemente desinteressado da quebra de 9 pontos na competitividade do Brasil no ranking internacional, devido ao peso excepcional do item "corrupção", e à repercussão internacional que a política brasileira do seu governo tem alcançado negativamente na imprensa estrangeira.
Até agora, os números têm-lhe sido favoráveis. As pesquisas de opinião, com as reservas que tais inquéritos aconselham, apontam para uma vitória absoluta no primeiro turno, contra o mais directo adversário, o candidato do PSDB (Partido Social-Democrata Brasileiro), Geraldo Alckmin, um membro da Opus Dei, segundo consta. Diga-se de passagem, que 27 milhões dos 126 milhões de eleitores registados não possuem a escolaridade mínima; e grande parte dos eleitores mais velhos do interior miserável do país vende o seu voto a troco da promessa de meia dúzia de tijolos. Uns e outros formam uma clientela adequada a um presidente que se orgulha de ser torneiro mecânico, do mesmo modo que se orgulha de não ser capaz de ler uma página de um livro.
Mas... o rumo parece poder mudar, mercê de um mega escândalo, mais uma vez protagonizado pelo PT, a pouco mais de uma semana da ida às urnas.
Foi o caso que o empresário que denunciou a fraude das ambulâncias, embora primeiro responsável por ela, conhecida como "escândalo dos vampiros", arrecadação, por parte de muitos políticos, de dinheiros públicos por sobrefacturação na compra de ambulâncias para as autarquias do país, tentou vender ao PT um dossier com relatórios, fotografias e vídeos que, supostamente, incriminariam elementos da actual oposição, em particular os candidatos do PSDB, respectivamente, ao governo do Estado de São Paulo, José Serra, antigo ministro da Saúde, e à presidência da República, o já referido Alckmin.
Do que foi divulgado do conjunto de documentos, nada transpareceu até agora que possa ser considerado criminoso, embora o seu proprietário diga que as 2 mil páginas não foram ainda devidamente avaliadas.
Como crime, sim, foi classificada a tentativa de transacção, e a Polícia Federal prendeu num hotel de São Paulo dois elementos do PT que se preparavam para comprar o material por 1,7 milhões de reais, dinheiro que foi encontrado com eles no acto da prisão, e em cujo pacote estavam incluídos cerca de 250 mil dólares. Os compradores, postos em liberdade após as primeiras averiguações e respectivos depoimentos, são pessoas de relações muito próximas do presidente Lula.
A bomba explodiu com estilhaços em todas as direcções.
A oposição apresentou à Justiça um pedido de impugnação da candidatura de Lula da Silva, processo que decorre já. Ainda que não possa ser concluído antes do acto eleitoral, as suas conclusões, no entanto, terão efeitos sobre o cidadão Lula da Silva, seja ele ou não o novo presidente.
O ministro da Justiça veio à praça pública dizer que o sucedido não deveria servir fins eleitoralistas, aparentemente esquecido de que era esse o objectivo dos compradores do PT.
Por sua vez, o candidato à reeleição, Luís Inácio Lula da Silva, e actual presidente da República assumiu uma postura de falsa repulsa, como tem feito sempre que um novo escândalo rebenta, mostrou-se revoltado, e teve dois gestos pouco elegantes, mesmo politicamente, mesmo tratando-se do Brasil: insultou publicamente os colaboradores que figuraram na cena, e, garantindo mais uma vez que de nada sabia, atirou com as responsabilidades para cima do seu coordenador nacional de campanha, que demitiu de imediato, o actual presidente do PT. Ricardo Berzoini, de seu nome, apenas disse perante as câmaras: "o presidente falou, tá falado".
A grande pergunta que todos fazem neste momento é quanto à origem do dinheiro para pagamento dos documentos. A Polícia Federal, em colaboração com o FBI, já descobriu que os dólares entraram legalmente no país, provenientes de Miami, e foram levantados num banco pequeno do Brasil; falta agora saber por quem.
Quanto ao restante dos 1,7 milhões de reais, a mesma polícia diz que é de difícil rastreamento – quase só por confissão dos seus detentores. Talvez por isso, por saber dessa conveniente impossibilidade, Lula da Silva tenha tão peremptória e irritadamente exigido em público saber qual a sua origem – et pour cause, vai dizendo, também, querer conhecer o conteúdo do dossier, o que é outra falta de aprumo indesculpável.
Indiferente ao estrebuchar dos altos quadros do PT que classificam de tentativa de golpe as movimentações da oposição no Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, Marco Aurélio Mello, que considera a tentativa de "negócio" pior que o escândalo "Watergate" da América do início dos anos 70, deu 10 dias ao presidente da República e ao ministro da Justiça, entre outros, para apresentarem as respectivas defesas quanto à suspeita de envolvimento no sucedido.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público, enquanto mandou quebrar o sigilo telefónico de várias figuras ligadas ao escândalo, deu ordem de prisão a seis elementos comprometidos com o esquema: os dois mandatados compradores, um director executivo de um banco de dimensão nacional que se encontrava a trabalhar na campanha de Lula, um ex-secretário do ministério do Trabalho, um assessor do presidente que foi seu guarda-costas durante 17 anos, e um empresário. Todos amigos chegados de Lula – que de nada sabia, garante.
A prisão só poderá ser efectuada depois do dia 4 de Outubro, devido ao período eleitoral.
As eleições, no próximo domingo, mudarão a face deste Brasil que não pára de nos espantar?



sexta-feira, setembro 15, 2006

Sua Excelência, deputado.com.br


No Brasil, país com mais de 180 milhões de habitantes distribuídos por uma área sensivelmente igual à da Europa, grande parte da população é obrigada a (sub) viver durante o mês com 1 salário mínimo, 350 reais, ou seja, aproximadamente 125 euros (1 real vale cerca de 0,36 euros).
Desta calamidade de fome escapa sua excelência, o deputado, com um rendimento mensal de 286 salários mínimos, ou 100.000 reais, ou, aproximadamente, 35.714 euros.

Os 100.000 reais (35.714 euros) auferidos pelos deputados brasileiros à sombra do ar condicionado, contra os 350 (125 euros) asperamente suados pela maioria da população, distribuem-se assim:
Para remuneração propriamente dita vão quase 13.000 reais.
A contratação de assessores consome mais de 50.000 reais.
Os restantes 37.000 são gastos em despesas de representação, custos com residência, passagens aéreas, jornais e revistas, selos e faxes.
Não estão aqui incluídas outras mordomias contabilizadas nas contas da União.
É interessante referir que dos colaboradores da Câmara dos Deputados, os tais assessores, funcionários considerados em "funções especiais", a ganhar cada um até 8.000 reais por mês, acabam de ser despedidos mais de mil (cerca de metade) porque nunca apareceram para trabalhar – funcionários fantasmas que jamais alguém viu ou sabe quem é; há a certeza, no entanto, de que ou têm emprego noutros Estados, ou são mesmo vadios. Em qualquer dos casos, as tais "funções especiais" sempre se traduziram por invisibilidade.
Quanto aos senhores deputados: desde Março que não aprovam nenhum decreto-Lei; entraram de féria a partir de Junho; o "esforço concentrado", operação que consistiu na convocatória extraordinária, com pagamento extraordinário, para discussão e aprovação de projectos importantes, saldou-se por um absentismo maioritário; em Setembro só trabalharam 3 dias, partiram para a campanha eleitoral (urnas em 1 de Outubro próximo), mas receberam as verbas do mês por inteiro; dos 107 projectos aprovados até agora, desde o início do ano, apenas 15 são da sua autoria, já que os restantes tiveram origem na presidência da República, no Supremo Tribunal, no Tribunal de Contas e noutros órgãos.
Apesar desta assimetria de rendimentos entre os que trabalham no duro (às vezes sete dias por semana) e ganham miseravelmente, e os que ganham principescamente e trabalham no mole (três dias por semana), apesar desta relação custo benefício perversa e ruinosa para o Brasil, o deputado.com.br entende que o que rapa dos impostos do povo não lhe chega para viver.
No intuito de arredondar o salário, que a vida está difícil, lança-se, então, em expedientes de que a Ética está ausente e, não poucas vezes, a Lei também.
Ficaram em evidência neste ano, mas transladados já de anos anteriores, o esquema do "mensalão", pagamento a deputados oposicionistas de chorudos prémios para que votassem propostas favoráveis ao governo (as verbas tiveram origem em verdadeiros assaltos aos cofres públicos e lavagem de dinheiro, consumados pelo Partido dos Trabalhadores, PT, o partido que apoia o actual presidente da República que se recandidata, Luís Inácio Lula da Silva, que já foi seu líder); o recebimento de comissões, aqui chamadas "propinas", algumas delas por extorsão, como foi o caso do penúltimo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que, despudoradamente, também se recandidata, a empresários de vários ramos de actividade, em troca da concessão de benefícios por parte de órgãos de Estado; o caso dos "Vampiros", arrecadação de dinheiros públicos, pela compra sobrefacturada de hemoderivados, produtos para tratamento de hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS; o escândalo dos "sanguessugas", desvio de dinheiro dos cofres da União através da compra sobrefacturada de ambulâncias destinadas às autarquias.
E a apresentação da escandaleira poderia continuar.
Isto explica por que há tantos candidatos a deputado, e responde a uma pergunta pertinente do cidadão contribuinte: como pode um candidato gastar com custos de campanha várias vezes mais do que vai ganhar ao longo dos quatro anos de mandato? Como diz o português, "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem"...
Os tribunais eleitorais rejeitaram para cima de 2.000 candidaturas que feriam a Lei Eleitoral, nas mais diversas facetas, incluindo candidatos a contas com a Justiça por burlas e outras trafulhices, e crimes que chegam ao envolvimento, directo ou indirecto, em assassinatos.
Mas os que escaparam às malhas do Judiciário, por artimanhas e malabarismos, alguns bem pitorescos, como a renúncia ao mandato antes que fossem indiciados pelos Conselhos de Ética do Legislativo (porque, nestes casos, a Lei perdoa e permite a recandidatura, mesmo com crime eleitoral confirmado), a absolvição corporativa feita pelos pares, iguais ou opositores, nos plenários do hemiciclo, convocados para o julgamento, e a capa protectora dos partidos que, ao invés de se expurgarem da malandragem, lhe dão cobertura e apoio, esses fora-da-lei contam com a má memória e o elevado analfabetismo do povão e com o caciquismo ainda muito vivo para se elegerem.
É vê-los passearem-se em garridas caravanas, ou retratados em coloridos paineis grandes, grandes, grandes como a sua falta de vergonha. O mesmo olhar insolente, o mesmo riso alvar com que protestaram nas televisões e nos jornais a sua inocência, mesmo depois de comprovados os crimes cometidos.
Seguem impantes, cheios de certezas e de uma inabalável vontade de continuar a roubar e a servir-se do povo para atingir os seus objectivos particulares.
Atroam os ares com as mesmas promessas que não cumpriram nos quatro anos anteriores.
Empunham dezenas e dezenas de bandeiras, mas entre elas não se vê flutuar a da honestidade – e, muito menos, a do serviço público.
O povo segue, desinteressado, à sua vida, sem lhes dar atenção, desiludido, desenganado, descrente.
Os cães passam, as caravanas ladram...



sexta-feira, setembro 08, 2006

O Brasil não é um país sério


"Quando num dado país os políticos são corruptos, podemos ter a certeza de que a própria sociedade tem falta de moralidade e que a população não leva uma vida ética. (...) Por outro lado, quando as pessoas possuem valores positivos e aplicam a ética na sua vida, pelo bem dos outros, os representantes dos poderes públicos que essa sociedade produz respeitarão naturalmente esses mesmos valores. Cada um de nós, portanto, tem um papel a desempenhar na criação de uma sociedade em que é dada a prioridade máxima ao respeito e ao cuidado pelos outros (...)".
Dalai Lama, "Ética para o Novo Milénio"

No dia 7 de Setembro o Brasil comemorou a data da sua independência.
Mas será que um país que vive na corrupção permanente, da base às mais altas instâncias, poderá afirmar-se independente?
"O Brasil não é um país sério". Tanto quanto se sabe, esta foi a primeira afirmação pública sobre o assunto, atribuída já há algumas décadas, nos anos 60, ao general Charles de Gaulle, presidente da França, quando por aqui passou e se demorou algum tempo. Há quem afirme que sim, há quem garanta que não. Mas, recentemente, foram feitas afirmações semelhantes por um chefe de Estado da América latina.
Cá dentro, há cerca de um ano, um conceituado escritor e jornalista disse a uma rádio que o entrevistou que o brasileiro é desonesto, todo o brasileiro, seja rico ou seja pobre.
No meu dia-a-dia encontro gente que confirma estas declarações, por vezes de forma bem mais desabrida e desinibida, em Português vernáculo. Dos Poderes Públicos, o silêncio de quem sabe que não pode contestá-las, porque as provas são mais que evidentes.
No ano passado, um apresentador de noticiário de tv, à noite, um jornalista respeitado no meio, referindo-se à frase supostamente de de Gaulle, ainda foi dizendo, embora a meia boca, que não era bem assim, que o Brasil era um país sério. Tentou, a seu modo, salvar a honra do convento, neste caso, a honra do país, mas ninguém o aplaudiu, nem, sequer, o acompanhou.
Na verdade, o Brasil não é um país sério – e é, isso sim, um paraíso para os "não-sérios", ou seja, a malandragem, tanto a que vem de fora, como a que já cá se encontra.
Os factos são aquilo em que as certezas se apoiam. Vejamos os factos:
Quem faz o Brasil são os brasileiros – o povo e os dirigentes, as instituições laicas e religiosas, as organizações não governamentais e as estatais.
Se as instituições não forem sérias, darão o exemplo facilmente (e auto-justificadamente) seguido pelas populações que pretendem, de pleno direito, sair da miséria em que vivem.
Assim, tudo fica contaminado.
As relações políticas.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- pela corrupção generalizada:"do servente ao presidente, é tudo a mesma gente";
- pelo assalto aos cofres públicos, feito pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o partido do presidente;
- pela lavagem de dinheiro feita pelo mesmo PT através de uma rede de empresas de publicidade de um tal Marcos Valério que, apesar de todas as confirmações de envolvimento no esquema, nunca foi preso;
- pelo programa chamado "mensalão", que consistiu no pagamento de avultadas verbas a deputados da oposição, para que votassem favoravelmente as propostas do Governo;
- pela extorsão feita pelos dois anteriores presidentes da Câmara dos Deputados a empresas e organizações, em troca da concessão de benefícios;
- pelo escândalo dos "vampiros", políticos que recolhiam dinheiro da sobrefacturação da compra de hemoderivados, especialmente destinados a hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS;
- pelo escândalo dos "sanguessugas", políticos que recolhiam dinheiro da sobrefacturação da compra de ambulâncias para as autarquias;
- pelo recebimento, abafado, de dinheiros do exterior, ilegal, para campanhas políticas, incluindo as presidenciais de Lula da Silva;
- pela abertura no exterior de contas em paraísos fiscais; a imprensa acusa o próprio presidente, o seu dilecto amigo Thomaz Bastos, ministro da Justiça, o presidente do Banco Central, e outros compinchas partidários ou prestadores de serviços ao Governo;
- pelas desconcertantes declarações de Lula da Silva, afirmando, primeiro, que nada sabia da corrupção (quando era o seu partido e os seus mais próximos colaboradores a praticá-la), mais à frente dizendo que tais práticas existem em todos os partidos (tentando tornar natural uma fraude), e, finalmente, defendendo que essa corrupção sempre existiu (procurando legalizar uma ilegalidade); o mesmo Lula, presidente da República, que canta de alto que todos os prevaricadores serão punidos, enquanto todos eles são, sistematicamente, absolvidos; o mesmo Lula que se "orgulha" de que o seu Governo "não rouba nem deixa roubar";
- pelas contas pagas pelos contribuintes, muitas com facturas falsas, a Lula e seu séqüito – mulher, filhos e outras companhias;
- pelo chamado "esforço concentrado", um plano que pretendia pôr os deputados, pagos principescamente, a trabalhar em projectos de urgência, e que se saldou no seu vergonhoso absentismo (70 presenças em 513 eleitos);
- pela falta ao serviço, não justificada e não apurada, dos servidores da Câmara e do Senado que, a pretexto da ausência dos políticos, em plena campanha eleitoral, se escusam ao trabalho, apesar de se pagar, em média, 6000 reais (um euro vale, aproximadamente, 2,8 reais) por mês, por servidor, num total de dois milhões por ano.
Toda esta imaginativa rapaziada anda à solta , e, mais do que isso, se candidata às novas eleições (em Outubro próximo). Apesar das cerca de 2000 impugnações de candidaturas feitas pelo Tribunal Eleitoral, a maioria da corja prepara-se, a coberto da má memória e da iletracia do povão, para sacar e saquear, num fartar vilanagem de mais 4 anos.
As relações económicas e financeiras.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- pela fraude fiscal generalizada;
- pela utilização ostensiva de facturas (notas fiscais) falsas, aqui chamadas "notas frias", que alimentam muita gente, incluindo a presidência da República (presidente, mulher do presidente, amigos do presidente, governantes do presidente);
- pela distribuição dos rendimentos, a segunda pior do mundo, só ultrapassada pela Serra Leoa, um país perdido na África, com 10 anos de guerra civil recente, com amplitudes só existentes em países do terceiro mundo onde prevalece o compadrio e a corrupção é senhora e lei;
- pela taxa de juro mais elevada de todo o planeta, da ordem dos 144% (cento e quarenta e quatro por cento) ao ano;
- pelo encerramento de inúmeras fábricas, com falências fraudulentas ou provocadas pelas assimetrias salariais dos Estados da União;
- pela isenção de impostos a quem tem mais obrigação de os pagar;
- pela evasão ilícita de divisas para o estrangeiro, onde foram alimentar contas de políticos, alguns de proeminência na condução dos destinos do país, e de empresários, geralmente ligados ao ramo da publicidade e do marketing, curiosamente, todos eles fornecedores de serviços (sobrefacturados) ao Governo;
- por um superávit primário espectacular, à custa do bloqueio de verbas orçamentadas para o desenvolvimento do país.
As relações pessoais, familiares e sociais.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- por um número surpreendente de 1700 padres acusados de crimes sexuais;
- pelo aumento das agressões (registadas oficialmente) a mulheres e a crianças;
- por aumento substancial da criminalidade sob a forma de assaltos (a pessoas, casas e instituições), estupros, sequestros e assassinatos (alguns deles por brigas de trânsito);
- por aumento de consumo de álcool e drogas;
- por um aumento generalizado da corrupção entre as forças policiais;
- por uma progressiva influência sobre o comportamento social exercida por facções criminosas que comandam o crime organizado do interior das cadeias, através de telemóveis (aqui chamados celulares) e de advogados que pertencem a essas mesmas facções;
- por escândalos no "desporto" futebol, com árbitros comprados para fabricarem resultados;
- por desvio, para outros fins, nem sempre muito claros, de grande parte das verbas destinadas anualmente à segurança pública;
- pela constatação de que os bandidos estão mais bem armados do que as forças da ordem;
- pela instalação nos cidadãos do sentimento de que o crime compensa, porque a impunidade, em todos os patamares, é uma garantia adquirida pelo criminoso.
Todo este leque de misérias tem a mesma causa; a falta de seriedade na condução dos negócios públicos e, por arrastamento, dos privados. O poder corrupto instalou-se em todas as vertentes de decisão, e boicota o trabalho dos que pretendem um Brasil diferente – um Brasil independente.
Talvez daqui a alguns anos, se for possível impedir o acesso aos órgãos dos três poderes do Estado dos que se servem desses órgãos em benefício próprio e exclusivo, se consiga ter um país sério. Até lá, muito há para varrer e limpar.
A seriedade constrói-se, não com gostos, desejos ou intenções, mas com factos e realidades – e o que os factos e as realidades mostram é que o Brasil não é um país sério. Perante isto, a pergunta que se me coloca é: poderá sentir-se independente?



sexta-feira, agosto 18, 2006

Polícia medrosa, ou polícia merdosa?


Cada vez menos credível e mais risível (e corrupta), a polícia brasileira daria um bom motivo de boa disposição e hilaridade – se não fossem as suas responsabilidades como polícia...

No dia 17 de Agosto, um dos noticiários da noite da tv brasileira apresentou uma reportagem aparentemente inócua, misturada em caldeirada de notícias e baboseiras, que chamou a minha atenção.
Numa rua do Rio de Janeiro, a tal cidade maravilhosa de postal ilustrado para exportação, quando o semáforo do cruzamento passa para o vermelho e os carros param, ladrões correm de assalto e, com pedras ou marretas, partem os vidros de veículos conduzidos por mulheres para lhes roubar as bolsas.
Depois, com o maior à-vontade, com a maior segurança, com a maior desfaçatez fogem com o roubo para uma abertura de acesso à rede de esgotos subterrâneos.
Esta abertura, perpendicular à estrada, porta perfeita para qualquer Ali-babá, a avaliar pelas imagens dadas pela reportagem tem metro e meio de largura por oitenta centímetros de altura.
Em entrevista a que não conseguiu furtar-se, embora lhe conviesse que o julgassem invisível, o chefe da polícia responsável por aquela área declarou às câmaras da televisão, isto é, a milhões de espectadores, por palavras hesitantes e esgares e trejeitos de mentiroso, que o túnel era um perigo por ser escuro (pelos vistos a polícia desconhece um utensílio chamado lanterna) e porque os agentes poderiam ser mordidos por um rato ou por uma cobra.
Vejam só a graça que isto tem!... Gatunos descalços e seminus não temem ratos nem cobras que possam passear pelo túnel. Polícias armados com bastões, pistolas e espingardas, fardados, com coletes à prova de bala e botas grossas, militares, têm medo de possíveis ratos e cobras.
Se a polícia tem medo do escuro, de ratos e de cobras, qual não será o medo que terá dos bandidos... Mas, se tem medo do escuro, por que não patrulha a área iluminada do semáforo onde os assaltos ocorrem?
Se os bandidos não têm medo do escuro, nem de ratos, nem de cobras, nem de polícias, têm medo de quê?
Estamos perante mais um número de circo, igual a tantos outros com que o Brasil nos contempla todos os dias.
O mais provável e credível (tanto mais que os assaltados não querem gravar depoimentos com medo de represálias) é que polícias e ladrões, no fim do dia, confraternizem na orgia obscena da divisão dos roubos praticados. Resta saber quem fica com a maior parte – polícias ou ladrões? Resposta fácil.
O Brasil já não é só conhecido pelo pouco conceituado rótulo de país do Carnaval. É conhecido, também, e principalmente, como o país da carnavalesca corrupção impune e tolerada, senão mesmo acarinhada, pelos órgãos do Poder.