terça-feira, abril 18, 2006

O caso Palocci, ou o fim de uma ilusão


O pilar caiu.
Em Agosto do ano passado, em crónicas que tinham por tema este "pilar" (
ESPECIAL BRASIL: Uma brecha no pilar e ESPECIAL BRASIL: A brecha no pilar pode tornar-se maior), se dava a entender, a supor sem afirmar, porque certezas ninguém tem quanto ao futuro, e muito menos em política no Brasil, que o pilar, o único pilar que restava dessa bonita ilusão que fora a Administração Luís Inácio Lula da Silva, presidente do Brasil, essa ilusão do agora sim, vamos ter Brasil, um Brasil sem fome, sem doença, sem miséria, sem violência, um Brasil de todos os brasileiros, essa ilusão que não passou disso mesmo, ilusão, o pilar, dizia eu, o pilar que restava dessa ilusão era frágil, cada vez mais frágil, porque estava a ser corroído por denúncias que nunca foram desmentidas categoricamente, cabalmente, decididamente. Uma das razões por que o pilar caiu.
Outra das razões porque o pilar caiu, é que ele já estava podre antes de ser instituído como pilar mestre. E o arquitecto do edifício, Luís Inácio Lula da Silva, que conhecia bem o material com que trabalhava, sendo ambos chegados e proeminentes quadros do PT (Partido dos Trabalhadores), o partido que apoia o presidente, foi o principal responsável pela queda do pilar que começara a apodrecer alguns anos atrás, enquanto presidente da autarquia de Ribeirão Preto, cidade do interior do estado de São Paulo.
O pilar não resistiu à acção corruptora do Poder. E, de crime em crime, afundou-se sem que o presidente da República pudesse lançar-lhe uma bóia, apesar de ter feito vários ensaios nesse sentido, não pelo seu ministro, mas por si próprio. Antes que o abraço de afogado arrastasse os dois, Lula da Silva largou-o – um comportamento muito caracteristicamente seu.
Também por isso o pilar caiu, e caiu sobre a cabeça do próprio Lula que, ora o defendia enfaticamente, quando lhe convinha, ora deixava, quando lhe convinha também, que o atacassem, publicamente, mesmo por parte de elementos destacados do seu Governo, como o fizeram múltiplas vezes o seu vice e a sua ministra Chefe da Casa Civil. Neste último caso, Lula chegou a ponto de vir a terreiro apoiar a ministra.
Quando Lula da Silva fala em traidores no seu Governo, deve estar a falar de si próprio, para ser coerente.
De resto, toda a corrupção que se apossou como uma lepra dos políticos brasileiros tem como padrão o comportamento de Lula, em particular na condescendência, senão mesmo gerência, quanto à prática da colecta ilegal de verbas para as campanhas eleitorais, a começar pela sua, em 2002, que o levou à presidência, e da eliminação política e mesmo física dos que se opunham a essa prática.
Caiu o ministro da Fazenda. Caiu Antônio Palocci, o último pilar de Lula. Com ele findou uma ilusão que se tornou um sonho impossível.
Durou 1181 dias, demasiado tempo para quem já trazia tamanha carga de corrupção consigo. Mas o povo é sereno e o Poder no Brasil corrupto é.
Médico por formação acadêmica, médico sanitário, não só não sanou os processos políticos em que esteve envolvido, como os contaminou ainda mais, por permissão e por participação activa.
Como ministro da Fazenda, gozou de uma conjuntura internacional favorável; mas, mesmo assim, o Brasil registou um crescimento notavelmente inferior à maioria dos países da América Latina.
A sua política económica foi muito contestada. E as loas cantadas pelo presidente Lula mais não pretenderam ser do que um auto-elogio, na tentativa de recuperar a sua imagem tão delapidada pelos escândalos políticos e financeiros que assolaram o país – os maiores de que há memória – e que ele, presidente, dizia desconhecer.
Mas admitindo que Palocci pudesse possuir uma competência de alto coturno, é bom não esquecer que competência e ética não podem confundir-se, e que a primeira não pode dispensar a segunda.
Enquanto presidente da autarquia de Ribeirão Preto, Palocci esteve envolvido em várias falcatruas que se estendiam a bingos, lotarias, recolha e tratamento de lixo, transportes, entre outras actividades, com o objectivo de arrecadar dinheiro, a célebre "caixa dois", para campanhas eleitorais e para a compra de votos de deputados da oposição. Todo ele dinheiro sujo.
Num segundo mandato de quatro anos, a autarquia sofreu rombos de 400.000 mil reais por mês (1 euro valia, aproximadamente, nessa data, 3 reais).
Como coordenador da campanha presidencial de Lula, recebeu dinheiro de Cuba, dólares escondidos em caixas de garrafas de bebida.
Como cidadão, declarou por meia dúzia de reais, literalmente, dois imóveis que valem algumas centenas de milhar. Defraudou a Fazenda e, depois, foi ministro da Fazenda.
Logo após a campanha vitoriosa de Lula, em 2002, os colaboradores de Palocci alugaram uma casa que passou a chamar-se "mansão do lobby", sede de negociação com sectores políticos, financeiros e empresariais, onde se acertavam trafulhices que permitissem a perpetuação no Poder dos eleitos do PT, partido de que Lula foi presidente.
Aí se faziam reuniões-festas regadas a vinho caro e bom champanhe, com comezainas e charutos de topo de gama, abrilhantadas pelas meninas de Mary Corner, uma famosa dama que aluga prostitutas finas para festas deste tipo. É ela a fornecedora das acompanhantes das festas de Marcos Valério, o empresário do ramo da publicidade em cujas empresas tem sido lavado o dinheiro ilegal recolhido pelo PT.
Interrogado por uma Comissão Parlamentar de Inquérito que investigava os escândalos da "caixa dois" e da compra de votos aos deputados oposicionistas, Palocci sempre negou a sua presença naquela casa. Mas o problema surgiu quando a mesma Comissão interrogou o caseiro da casa que, sem margem para dúvidas, afirmou que Palocci era seu frequentador assíduo.
Procurando una saída para o beco em que se metera, Palocci ordena uma investigação à conta bancária do caseiro.
Jorge Mattoso, então presidente da Caixa Económica Federal, recebe o extracto da conta e, de imediato, telefona ao ministro, a casa de quem se desloca para lhe entregar o documento pessoalmente.
O fito seria provar que uma avultada quantia existente na conta em apreço proviria de um pagamento feito por alguém interessado em comprometer Palocci com a mansão do lobby.
Dois dias depois o extracto circulava na Internet, vazado pelo assessor de imprensa do ministro.
Mas a verba avultada fora uma oferta pessoal do pai biológico do caseiro. Além disso, o motorista de Palocci confirmou a presença do seu chefe na casa por mais de vinte vezes.
Surgem os pedidos de indemnização por quebra de sigilo bancário. Pedidos milionários, já se vê, tanto por parte do caseiro, como do seu pai biológico cujo cônjuge desconhecia a existência desse filho fora do casamento.
Quando estoira a notícia do extracto, Mattoso, o presidente da Caixa, finge-se surpreendido, e promete proceder contra os responsáveis. Mas a polícia acaba por obter a sua confissão do crime.
À pressa, a Administração da Caixa procura seduzir um funcionário, quem quer que seja, para, a troco de um milhão de reais, se declarar o autor da quebra do sigilo bancário. Em vão. O dinheiro não cala certos segredos. Só a morte os silencia. Por isso ninguém aceitou a missão, mesmo à vista de tão gordo volume de notas.
A polícia alerta as fronteiras, não vá Palocci tentar a fuga para o estrangeiro.
Ainda ministro, nega por duas vezes a Lula da Silva o seu envolvimento na tramóia. Lula, como de costume, já sabe de tudo, mas finge que não.
No dia seguinte, Mattoso, acossado, oferece à opinião pública a cabeça do ministro da Fazenda, seu chefe. O ministro cai.
O ministro da Justiça, entretanto conivente e cúmplice no crime, treme, mas continua ministro. Até ver.
Palocci procura desesperadamente um lugar de deputado para obter imunidade parlamentar e poder evitar a prisão. Os correligionários do PT acreditam poder fazê-lo eleger deputado federal. Tudo é possível...
Os crimes que impendem sobre Palocci são muitos, variados e graves.
Com ele podem ser arrastadas muitas outras figuras, do seu partido e não só.
Basta o processo começar a andar.
O impeachment sobre Lula volta à ordem do dia, Lula, o presidente que se diz constantemente atraiçoado. Lula, que vai deixando para trás os destroços de uma governação, restos de companheiros de luta, esperanças frustradas de eleitores, caminhando, sorridente, rumo ao futuro, ao seu futuro, ao futuro que construiu para si em quatro anos de Administração.
O Brasil, esse continua com fome, com doença, com favela, com violência crescente nas ruas, e com políticos cada vez mais corruptos e cada vez mais impunes.



terça-feira, abril 11, 2006

Os sujos "colarinhos brancos"


Na passada quarta-feira, dia 5, dois factos políticos importantes ocorreram no Brasil. Importantes em si, e importantes porque mostram como anda a classe política brasileira.
O primeiro resultou da actividade da CPI dos Correios.
Recorde-se (ver detalhes em diversas crónicas do
Especial Brasil) que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios foi criada em Maio de 2005, com o objectivo de investigar denúncias então feitas sobre o recebimento, por parte de parlamentares, de verbas destinadas a assegurar os seus votos na aprovação de diplomas favoráveis ao governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Finalmente, os seus trabalhos chegaram ao fim, e concluíram pela existência, de facto, daquilo a que se chamou "mensalão", ou seja, o pagamento de verbas, mais ou menos avultadas, para compra de consciências, e de votos, de deputados.
Desde as primeiras denúncias, feitas pelo ex-deputado, pelo Rio de Janeiro, Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), no início de Maio do ano passado, o governo tentou abafar a questão, impedir a criação da CPI, dificultar a sua actuação, subestimar e minimizar a questão, e negar o mensalão.
Tudo isto com o aval e o comprometimento público do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.
O espanto e a indignação dos cidadãos foi grande.
O denunciante, então deputado Jefferson, que se licenciou da presidência do PTB para fazer as acusações públicas, foi cassado, ou seja, perdeu os direitos políticos por 8 anos, depois de um processo que tramitou pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, e terminou com uma votação nessa mesma Câmara.
Na verdade, ele e o seu partido tinham, também, sido beneficiados com dinheiros de "caixa 2", termo por que ficou conhecida a arrecadação ilegal de verbas para fundos de campanha. Foi o próprio Jefferson que o revelou, também publicamente. E agarradas aos fundos de campanha vinham as compras de votos.
Mas a punição de Jefferson perante a sociedade não teve tanto a ver com o rigor ético da prática política (Ética é palavra conhecida por muito poucos no Brasil), mas, principalmente, com uma vingança colectiva: do governo, por ter sido desmascarado na maior operação de que há memória de assalto aos cofres públicos, e de arrecadação ilegal de dinheiro, desenvolvida pelo seu partido, Partido dos Trabalhadores (PT); dos deputados envolvidos, porque pôs a descoberto o seu carácter corrupto, e lhes estragou o arredondamento do salário, já de si bem gordo, no fim do mês.
Roberto Jefferson, apesar de tudo, apesar de já punido, continua a ser alvo de perseguições, em aparatosas rusgas levadas a cabo pela Polícia Federal, lembrando métodos que nada têm a ver com a democracia, a não ser o facto de a televisão, a que apoia o governo, "por acaso" estar sempre por perto.
José Dirceu (ele e Roberto Jefferson são inimigos figadais), o homem forte do regime de então, ex-presidente do PT, ex-ministro Chefe da Casa Civil de Lula, gabinete ao lado do gabinete do presidente, demitido na sequência dos escândalos políticos e financeiros do mensalão, e de outros praticados por um seu assessor (que pretendeu extorquir dinheiro a um empresário de jogo), foi cassado também.
Na base, a acusação de ter sido o cérebro da "operação caixa 2".
Durante anos, foi recolhido dinheiro de empresas privadas, a troco de benefícios em concursos de fornecedores do Estado, e desviado dinheiro de empresas públicas, sob a máscara de contratos de prestação de serviços, sempre sobrefacturados. As verbas, canalizadas para a Tesouraria do PT, passavam por contas bancárias de Marcos Valério, um empresário do ramo da publicidade que, inexplicavelmente, continua à solta, e, aí lavadas, eram transferidas para contas várias, indicadas pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Algumas dessas avultadas importâncias, ao que parece, saíram clandestinamente do país para paraísos fiscais, tendo retornado legalmente.
Assim foram movimentados bilhões de reais (1 euro valia, na época, aproximadamente, 3 reais).
A intenção de toda a tramóia seria a perpetuação no Poder por parte do PT (base de apoio do presidente Lula da Silva). Ou melhor, dos seus quadros mais destacados e influentes. Uma ditadura branca, pois.
A cassação de Dirceu, no fim de um processo carregado de recursos de adiamento, que começava a tornar-se ridículo, não foi, do mesmo modo que não foi em relação a Jefferson, uma questão de ética. É que pareceria muito mal, perante a opinião pública, que não houvesse mais esta punição exemplar, dadas os indícios e as evidências do seu envolvimento em todo o processo; por outro lado, era preciso oferecer à Oposição, para a acalmar, uma cabeça de peso.
As repercussões do escândalo político-financeiro foram de tal ordem no país e no estrangeiro (Portugal viu-se implicado, através da Portugal Telecom e do Banco Espírito Santo, objecto de notícias do semanário "Expresso", de Lisboa), que a reeleição de Lula é considerada hoje praticamente impossível.
Cientes disso, 9 ministros abandonaram o barco para se candidatarem a outros lugares políticos em próximas eleições (Outubro, se não houver impeachment antes).
Lula da Silva, cada vez mais isolado e sozinho, continua, levianamente, a cantar hossanas à sua Administração.
Outros implicados no "mensalão" têm sido vergonhosamente absolvidos. E – o segundo facto político - o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, foi absolvido também. Escândalo.
Depois de apresentar duas versões diferentes para o facto de ter levantado dinheiro de uma conta de Marcos Valério, o que, já de si, daria a suspensão dos direitos políticos, acabou por confessar o suborno.
A comissão de Ética da Câmara, com as provas recolhidas, recomendou a cassação (suspensão dos seus direitos políticos por 8 anos). Mas uma sessão com bastantes faltosos e vários votos brancos e nulos, e abstenções, absolveu-o.
Isto mostra bem o descomprometimento dos deputados em ordem à prática política, e a sua preocupação principal em não criar atritos que possam prejudicá-los em futuras alianças.
Baixa política. Tudo menos sentido de serviço público.
Esta espantosa absolvição abre as portas a que todos os outros implicados no mensalão, de resto, um número ínfimo face a todos aqueles que, embora beneficiados, conseguiram esconder-se das denúncias, sejam também absolvidos.
Isto tudo sem esquecer aqueles que, a coberto de uma Lei Eleitoral que protege o infractor, renunciaram aos seus cargos antes de serem indiciados pela Comissão de Justiça ou pela Comissão de Ética da Câmara. Assim, não poderão ser alvo da Justiça por crimes eleitorais cometidos, mesmo que esses crimes tenham sido maiores do que os levaram à cassação de outros seus colegas.
Mais um absurdo brasileiro.
Nas próximas eleições, porque o povo tem a memória curta e pouco espírito crítico, vamos ver as mesmas caras sem vergonha, com os mesmos sorrisos de desonestidade, nos mesmos lugares pagos a peso de ouro pelo dinheiro do povão, fazendo as mesmas, ou piores, falcatruas, com a mesma desenvoltura, mas de uma forma mais sofisticada, mais encapotada, mais difícil de descobrir.
Suspiro... Suspiro fundo e triste...
A Câmara dos Deputados do Brasil tem o corpo gangrenado, e a alma da cor da sujeira entranhada.