sábado, setembro 30, 2006

Mão de ferro em luva de veludo

Nem sempre a fera de olhos fechados está adormecida. Por vezes ouve e apercebe-se do que a rodeia melhor do que quem julga estar acordado.


As Forças Armadas brasileiras têm-se mantido serenas e silenciosas diante da verdadeira catástrofe de escândalos políticos e financeiros que têm atascado o Brasil, vindos a lume desde o princípio do corrente ano.
Há quem pense "demasiado serenas e demasiado silenciosas; preocupantemente tranquilas".
Se a "fera" acorda do seu aparente sono letárgico para tentar pôr alguma ordem na casa, já que quem o deveria fazer se mostra incompetente para tal, mal ou bem muita coisa pode tornar-se, de repente, capacho de bota militar.
Na verdade, não é do âmbito das FA imiscuírem-se nos assuntos da governação. Mas também é certo que, tal como a Igreja, ou as Igrejas, é um parceiro social com direito a voz.
E, a pouco mais de uma semana das eleições, mais precisamente no passado dia 21, romperam o silêncio e divulgaram uma nota conjunta, assinada, respectivamente, pelos Presidente do Clube Naval, Almirante de Esquadra José Júlio Pedrosa, Presidente do Clube Militar, General do Exército Gilberto Figueiredo, e Presidente do Clube de Aeronáutica, Tenente de Brigada Ivan Moacyr de Frota.
Nesse documento que nos chegou às mãos por cortesia de um militar português de alta patente, os três oficiais superiores referem-se às principais ilegalidades com que os brasileiros têm sido confrontados, referindo que "A Nação a tudo assistiu, aturdida pela desfaçatez de homens públicos e membros do governo. A partir de então [o primeiro escândalo revelado], todos os dias são tornados públicos novos escândalos, sempre envolvendo pessoas próximas ao Governo, ao Presidente ou ao seu Partido. As demissões, forçadas pelas circunstâncias e pelo constrangimento político, nunca foram acompanhadas de completa apuração e das punições necessárias. A sucessão de casos escabrosos e de actos de corrupção já não surpreende o brasileiro honesto".
À frente, a propósito das fraudes mais recentes (objecto de algumas das nossas crónicas anteriores), afirmam que "Já se torna evidente que a corrupção não é somente um ilícito do qual se beneficiam pessoas e grupos, mas sim algo que se transformou em meio de conquista e manutenção do poder. A sensação é de perigo iminente à Democracia. Por isso os Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica, por seus presidentes, sentem-se no dever de manifestar, publicamente, sua indignação com esse estado de coisas e de ressaltar a importância das próximas eleições como instrumento à disposição do povo brasileiro para o saneamento da vida política nacional".
Apesar de o documento não ter tido eco na comunicação social, aí está o recado, indiscutivelmente claro, para quem o souber ler e tiver a coragem (e a capacidade) de meditar sobre ele.
Os políticos brasileiros estão demasiado confiantes no funcionamento das instituições da frágil democracia do Brasil, tão frágil que tem permitido o alastramento, dia após dia, do lodaçal de crimes contra a República.
Ao menosprezar um eventual interesse das FA em fazerem-se ouvir quanto à condução dos negócios da União perante o estado caótico de corrupção quase generalizada a que se chegou, esses políticos poderão acordar um dia da sua néscia sonolência com uma grande surpresa – grande e desagradável.



quinta-feira, setembro 28, 2006

Este espantoso Brasil


O Brasil sofre uma profunda, ampla e duradoura crise de ética que envolve praticamente toda a sociedade brasileira, em graus diferentes, conforme os patamares em que se manifesta, e que se repercute em todas as actividades.
Aumento exponencial de agressões a mulheres e a crianças que obrigou à criação apressada de leis especiais e rigorosas para conter o surto. Maior frequência de crimes passionais como forma de resolver questões amorosas (?).
Árbitros de futebol com processos judiciais por terem sido comprados para forjarem resultados de desafios. Jogadores internacionais completamente apáticos e desinteressados na selecção do campeonato mundial de futebol, para poderem estar em forma nas equipas estrangeiras onde auferem ordenados milionários.
Quase 2 mil casos de abusos sexuais cometidos por padres católicos. Pastores protestantes comprometidos com ilegalidades, envolvendo avultadas verbas em moeda nacional e estrangeira; uso, por estes pastores, da religião e das suas principais figuras míticas para conquista de votos em campanhas políticas.
Como alternativa ao ensino público, de má qualidade, proliferação de colégios particulares de elevado custo, onde, mediante pagamento acrescido, os alunos se submetem a aulas suplementares (ditas de reforço), com mais de cem participantes, porque os professores das aulas normais, os mesmos das aulas suplementares, não cumprem os objectivos. Os meses em que não há aulas são cobrados como se as houvesse.
Mortandade nos principais hospitais públicos do país por negligência, erro médico ou falta de pessoal.
Furtos, roubos, assaltos, sequestros, estupros, assassinatos constituem os principais temas de abertura dos noticiários locais televisivos e das manchetes dos jornais. Agentes das penitenciárias e das polícias são coniventes com os bandidos; protegem-nos e, em muitos casos, fornecem-lhes armas e fardamentos.
Juros de 144% ao ano (os maiores do planeta). A segunda pior distribuição de renda do mundo. Mais de 50% da mão de obra a trabalhar no mercado paralelo, aqui chamado, eufemisticamente, "informal", mercado em que assenta 40% da economia (excluindo deste cômputo o contrabando de armas e de produtos de consumo corrente e material electrónico, proveniente, em particular, do Paraguai, e o narcotráfico; só no dia 26 do corrente mês, um posto da fronteira alvo de uma operação especialmente montada pelas Contribuições e Impostos, que aqui tem o nome de Receita Federal, e pelo Exército, foram apreendidos 2 milhões de reais de mercadorias ilegalmente entradas no país com, apenas, 5% de veículos fiscalizados; 1 real vale cerca de 0,36 euros).
Desde Março deste ano que o país vive atolado em sucessivos escândalos políticos que arrastam escândalos financeiros, enredando ministros, senadores, deputados federais e estaduais e autarcas, na classe política, juízes e advogados, na debilitada Justiça, e empresários acusados de sobrefacturação em serviços prestados ao Estado e lavagem de dinheiro.
Em todas estas ilegalidades, com especial incidência no assalto aos cofres públicos de bilhões de reais, têm estado à cabeça, como mentores ou executores, destacados elementos do Partido dos Trabalhadores (PT), o partido que apoia o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, agora candidato a novo mandato de 4 anos.
As ligações de Lula da Silva ao PT são muito estreitas – foi seu fundador e dirigente máximo – e a maioria dos implicados nos crimes são seus amigos pessoais de longa data.
Algumas das tramóias tocaram de muito perto a presidência da República, e, com gravidade acrescida, o presidente Lula, chefe do governo de sistema presidencialista, sempre disse desconhecer os labirintos das ocorrências – até os praticados pelos seus mais íntimos colaboradores, com gabinetes no mesmo piso do palácio presidencial. Mais tarde, por serem inverosímeis perante a opinião pública tais protestos de desconhecimento, passou a tentar justificar os actos com a tradição, isto é, se sempre foi assim, porquê o espanto?
Tais e tantas foram as patifarias, que chegou a falar-se em "impeachment". No entanto, a oposição, embora dividida, considerou não ser oportuno, pesando para a decisão o facto de ser ano de eleições.
Apesar das tempestades, o presidente Lula tem-se mantido à tona de água, qual rolha de cortiça na crista da onda em mar encapelado. Muito lhe tem valido o ministro da Justiça, Márcio Thomaz Bastos, seu velho e dilecto amigo, especialista nestas andanças – ex-advogado criminalista; não terá sido por acaso a sua escolha para a pasta...
Com eleições marcadas para o 1º de Outubro próximo (deputados estaduais e federais, senadores e presidente da República), Lula tem apregoado, talvez com excessivo e leviano triunfalismo, a sua vitória logo na primeira volta, aparentemente desinteressado da quebra de 9 pontos na competitividade do Brasil no ranking internacional, devido ao peso excepcional do item "corrupção", e à repercussão internacional que a política brasileira do seu governo tem alcançado negativamente na imprensa estrangeira.
Até agora, os números têm-lhe sido favoráveis. As pesquisas de opinião, com as reservas que tais inquéritos aconselham, apontam para uma vitória absoluta no primeiro turno, contra o mais directo adversário, o candidato do PSDB (Partido Social-Democrata Brasileiro), Geraldo Alckmin, um membro da Opus Dei, segundo consta. Diga-se de passagem, que 27 milhões dos 126 milhões de eleitores registados não possuem a escolaridade mínima; e grande parte dos eleitores mais velhos do interior miserável do país vende o seu voto a troco da promessa de meia dúzia de tijolos. Uns e outros formam uma clientela adequada a um presidente que se orgulha de ser torneiro mecânico, do mesmo modo que se orgulha de não ser capaz de ler uma página de um livro.
Mas... o rumo parece poder mudar, mercê de um mega escândalo, mais uma vez protagonizado pelo PT, a pouco mais de uma semana da ida às urnas.
Foi o caso que o empresário que denunciou a fraude das ambulâncias, embora primeiro responsável por ela, conhecida como "escândalo dos vampiros", arrecadação, por parte de muitos políticos, de dinheiros públicos por sobrefacturação na compra de ambulâncias para as autarquias do país, tentou vender ao PT um dossier com relatórios, fotografias e vídeos que, supostamente, incriminariam elementos da actual oposição, em particular os candidatos do PSDB, respectivamente, ao governo do Estado de São Paulo, José Serra, antigo ministro da Saúde, e à presidência da República, o já referido Alckmin.
Do que foi divulgado do conjunto de documentos, nada transpareceu até agora que possa ser considerado criminoso, embora o seu proprietário diga que as 2 mil páginas não foram ainda devidamente avaliadas.
Como crime, sim, foi classificada a tentativa de transacção, e a Polícia Federal prendeu num hotel de São Paulo dois elementos do PT que se preparavam para comprar o material por 1,7 milhões de reais, dinheiro que foi encontrado com eles no acto da prisão, e em cujo pacote estavam incluídos cerca de 250 mil dólares. Os compradores, postos em liberdade após as primeiras averiguações e respectivos depoimentos, são pessoas de relações muito próximas do presidente Lula.
A bomba explodiu com estilhaços em todas as direcções.
A oposição apresentou à Justiça um pedido de impugnação da candidatura de Lula da Silva, processo que decorre já. Ainda que não possa ser concluído antes do acto eleitoral, as suas conclusões, no entanto, terão efeitos sobre o cidadão Lula da Silva, seja ele ou não o novo presidente.
O ministro da Justiça veio à praça pública dizer que o sucedido não deveria servir fins eleitoralistas, aparentemente esquecido de que era esse o objectivo dos compradores do PT.
Por sua vez, o candidato à reeleição, Luís Inácio Lula da Silva, e actual presidente da República assumiu uma postura de falsa repulsa, como tem feito sempre que um novo escândalo rebenta, mostrou-se revoltado, e teve dois gestos pouco elegantes, mesmo politicamente, mesmo tratando-se do Brasil: insultou publicamente os colaboradores que figuraram na cena, e, garantindo mais uma vez que de nada sabia, atirou com as responsabilidades para cima do seu coordenador nacional de campanha, que demitiu de imediato, o actual presidente do PT. Ricardo Berzoini, de seu nome, apenas disse perante as câmaras: "o presidente falou, tá falado".
A grande pergunta que todos fazem neste momento é quanto à origem do dinheiro para pagamento dos documentos. A Polícia Federal, em colaboração com o FBI, já descobriu que os dólares entraram legalmente no país, provenientes de Miami, e foram levantados num banco pequeno do Brasil; falta agora saber por quem.
Quanto ao restante dos 1,7 milhões de reais, a mesma polícia diz que é de difícil rastreamento – quase só por confissão dos seus detentores. Talvez por isso, por saber dessa conveniente impossibilidade, Lula da Silva tenha tão peremptória e irritadamente exigido em público saber qual a sua origem – et pour cause, vai dizendo, também, querer conhecer o conteúdo do dossier, o que é outra falta de aprumo indesculpável.
Indiferente ao estrebuchar dos altos quadros do PT que classificam de tentativa de golpe as movimentações da oposição no Judiciário, o presidente do Supremo Tribunal Eleitoral, Marco Aurélio Mello, que considera a tentativa de "negócio" pior que o escândalo "Watergate" da América do início dos anos 70, deu 10 dias ao presidente da República e ao ministro da Justiça, entre outros, para apresentarem as respectivas defesas quanto à suspeita de envolvimento no sucedido.
Ao mesmo tempo, o Ministério Público, enquanto mandou quebrar o sigilo telefónico de várias figuras ligadas ao escândalo, deu ordem de prisão a seis elementos comprometidos com o esquema: os dois mandatados compradores, um director executivo de um banco de dimensão nacional que se encontrava a trabalhar na campanha de Lula, um ex-secretário do ministério do Trabalho, um assessor do presidente que foi seu guarda-costas durante 17 anos, e um empresário. Todos amigos chegados de Lula – que de nada sabia, garante.
A prisão só poderá ser efectuada depois do dia 4 de Outubro, devido ao período eleitoral.
As eleições, no próximo domingo, mudarão a face deste Brasil que não pára de nos espantar?



sexta-feira, setembro 15, 2006

Sua Excelência, deputado.com.br


No Brasil, país com mais de 180 milhões de habitantes distribuídos por uma área sensivelmente igual à da Europa, grande parte da população é obrigada a (sub) viver durante o mês com 1 salário mínimo, 350 reais, ou seja, aproximadamente 125 euros (1 real vale cerca de 0,36 euros).
Desta calamidade de fome escapa sua excelência, o deputado, com um rendimento mensal de 286 salários mínimos, ou 100.000 reais, ou, aproximadamente, 35.714 euros.

Os 100.000 reais (35.714 euros) auferidos pelos deputados brasileiros à sombra do ar condicionado, contra os 350 (125 euros) asperamente suados pela maioria da população, distribuem-se assim:
Para remuneração propriamente dita vão quase 13.000 reais.
A contratação de assessores consome mais de 50.000 reais.
Os restantes 37.000 são gastos em despesas de representação, custos com residência, passagens aéreas, jornais e revistas, selos e faxes.
Não estão aqui incluídas outras mordomias contabilizadas nas contas da União.
É interessante referir que dos colaboradores da Câmara dos Deputados, os tais assessores, funcionários considerados em "funções especiais", a ganhar cada um até 8.000 reais por mês, acabam de ser despedidos mais de mil (cerca de metade) porque nunca apareceram para trabalhar – funcionários fantasmas que jamais alguém viu ou sabe quem é; há a certeza, no entanto, de que ou têm emprego noutros Estados, ou são mesmo vadios. Em qualquer dos casos, as tais "funções especiais" sempre se traduziram por invisibilidade.
Quanto aos senhores deputados: desde Março que não aprovam nenhum decreto-Lei; entraram de féria a partir de Junho; o "esforço concentrado", operação que consistiu na convocatória extraordinária, com pagamento extraordinário, para discussão e aprovação de projectos importantes, saldou-se por um absentismo maioritário; em Setembro só trabalharam 3 dias, partiram para a campanha eleitoral (urnas em 1 de Outubro próximo), mas receberam as verbas do mês por inteiro; dos 107 projectos aprovados até agora, desde o início do ano, apenas 15 são da sua autoria, já que os restantes tiveram origem na presidência da República, no Supremo Tribunal, no Tribunal de Contas e noutros órgãos.
Apesar desta assimetria de rendimentos entre os que trabalham no duro (às vezes sete dias por semana) e ganham miseravelmente, e os que ganham principescamente e trabalham no mole (três dias por semana), apesar desta relação custo benefício perversa e ruinosa para o Brasil, o deputado.com.br entende que o que rapa dos impostos do povo não lhe chega para viver.
No intuito de arredondar o salário, que a vida está difícil, lança-se, então, em expedientes de que a Ética está ausente e, não poucas vezes, a Lei também.
Ficaram em evidência neste ano, mas transladados já de anos anteriores, o esquema do "mensalão", pagamento a deputados oposicionistas de chorudos prémios para que votassem propostas favoráveis ao governo (as verbas tiveram origem em verdadeiros assaltos aos cofres públicos e lavagem de dinheiro, consumados pelo Partido dos Trabalhadores, PT, o partido que apoia o actual presidente da República que se recandidata, Luís Inácio Lula da Silva, que já foi seu líder); o recebimento de comissões, aqui chamadas "propinas", algumas delas por extorsão, como foi o caso do penúltimo presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, que, despudoradamente, também se recandidata, a empresários de vários ramos de actividade, em troca da concessão de benefícios por parte de órgãos de Estado; o caso dos "Vampiros", arrecadação de dinheiros públicos, pela compra sobrefacturada de hemoderivados, produtos para tratamento de hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS; o escândalo dos "sanguessugas", desvio de dinheiro dos cofres da União através da compra sobrefacturada de ambulâncias destinadas às autarquias.
E a apresentação da escandaleira poderia continuar.
Isto explica por que há tantos candidatos a deputado, e responde a uma pergunta pertinente do cidadão contribuinte: como pode um candidato gastar com custos de campanha várias vezes mais do que vai ganhar ao longo dos quatro anos de mandato? Como diz o português, "quem cabritos vende e cabras não tem, de algum lado lhe vem"...
Os tribunais eleitorais rejeitaram para cima de 2.000 candidaturas que feriam a Lei Eleitoral, nas mais diversas facetas, incluindo candidatos a contas com a Justiça por burlas e outras trafulhices, e crimes que chegam ao envolvimento, directo ou indirecto, em assassinatos.
Mas os que escaparam às malhas do Judiciário, por artimanhas e malabarismos, alguns bem pitorescos, como a renúncia ao mandato antes que fossem indiciados pelos Conselhos de Ética do Legislativo (porque, nestes casos, a Lei perdoa e permite a recandidatura, mesmo com crime eleitoral confirmado), a absolvição corporativa feita pelos pares, iguais ou opositores, nos plenários do hemiciclo, convocados para o julgamento, e a capa protectora dos partidos que, ao invés de se expurgarem da malandragem, lhe dão cobertura e apoio, esses fora-da-lei contam com a má memória e o elevado analfabetismo do povão e com o caciquismo ainda muito vivo para se elegerem.
É vê-los passearem-se em garridas caravanas, ou retratados em coloridos paineis grandes, grandes, grandes como a sua falta de vergonha. O mesmo olhar insolente, o mesmo riso alvar com que protestaram nas televisões e nos jornais a sua inocência, mesmo depois de comprovados os crimes cometidos.
Seguem impantes, cheios de certezas e de uma inabalável vontade de continuar a roubar e a servir-se do povo para atingir os seus objectivos particulares.
Atroam os ares com as mesmas promessas que não cumpriram nos quatro anos anteriores.
Empunham dezenas e dezenas de bandeiras, mas entre elas não se vê flutuar a da honestidade – e, muito menos, a do serviço público.
O povo segue, desinteressado, à sua vida, sem lhes dar atenção, desiludido, desenganado, descrente.
Os cães passam, as caravanas ladram...



sexta-feira, setembro 08, 2006

O Brasil não é um país sério


"Quando num dado país os políticos são corruptos, podemos ter a certeza de que a própria sociedade tem falta de moralidade e que a população não leva uma vida ética. (...) Por outro lado, quando as pessoas possuem valores positivos e aplicam a ética na sua vida, pelo bem dos outros, os representantes dos poderes públicos que essa sociedade produz respeitarão naturalmente esses mesmos valores. Cada um de nós, portanto, tem um papel a desempenhar na criação de uma sociedade em que é dada a prioridade máxima ao respeito e ao cuidado pelos outros (...)".
Dalai Lama, "Ética para o Novo Milénio"

No dia 7 de Setembro o Brasil comemorou a data da sua independência.
Mas será que um país que vive na corrupção permanente, da base às mais altas instâncias, poderá afirmar-se independente?
"O Brasil não é um país sério". Tanto quanto se sabe, esta foi a primeira afirmação pública sobre o assunto, atribuída já há algumas décadas, nos anos 60, ao general Charles de Gaulle, presidente da França, quando por aqui passou e se demorou algum tempo. Há quem afirme que sim, há quem garanta que não. Mas, recentemente, foram feitas afirmações semelhantes por um chefe de Estado da América latina.
Cá dentro, há cerca de um ano, um conceituado escritor e jornalista disse a uma rádio que o entrevistou que o brasileiro é desonesto, todo o brasileiro, seja rico ou seja pobre.
No meu dia-a-dia encontro gente que confirma estas declarações, por vezes de forma bem mais desabrida e desinibida, em Português vernáculo. Dos Poderes Públicos, o silêncio de quem sabe que não pode contestá-las, porque as provas são mais que evidentes.
No ano passado, um apresentador de noticiário de tv, à noite, um jornalista respeitado no meio, referindo-se à frase supostamente de de Gaulle, ainda foi dizendo, embora a meia boca, que não era bem assim, que o Brasil era um país sério. Tentou, a seu modo, salvar a honra do convento, neste caso, a honra do país, mas ninguém o aplaudiu, nem, sequer, o acompanhou.
Na verdade, o Brasil não é um país sério – e é, isso sim, um paraíso para os "não-sérios", ou seja, a malandragem, tanto a que vem de fora, como a que já cá se encontra.
Os factos são aquilo em que as certezas se apoiam. Vejamos os factos:
Quem faz o Brasil são os brasileiros – o povo e os dirigentes, as instituições laicas e religiosas, as organizações não governamentais e as estatais.
Se as instituições não forem sérias, darão o exemplo facilmente (e auto-justificadamente) seguido pelas populações que pretendem, de pleno direito, sair da miséria em que vivem.
Assim, tudo fica contaminado.
As relações políticas.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- pela corrupção generalizada:"do servente ao presidente, é tudo a mesma gente";
- pelo assalto aos cofres públicos, feito pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o partido do presidente;
- pela lavagem de dinheiro feita pelo mesmo PT através de uma rede de empresas de publicidade de um tal Marcos Valério que, apesar de todas as confirmações de envolvimento no esquema, nunca foi preso;
- pelo programa chamado "mensalão", que consistiu no pagamento de avultadas verbas a deputados da oposição, para que votassem favoravelmente as propostas do Governo;
- pela extorsão feita pelos dois anteriores presidentes da Câmara dos Deputados a empresas e organizações, em troca da concessão de benefícios;
- pelo escândalo dos "vampiros", políticos que recolhiam dinheiro da sobrefacturação da compra de hemoderivados, especialmente destinados a hemofílicos e portadores do vírus da SIDA/AIDS;
- pelo escândalo dos "sanguessugas", políticos que recolhiam dinheiro da sobrefacturação da compra de ambulâncias para as autarquias;
- pelo recebimento, abafado, de dinheiros do exterior, ilegal, para campanhas políticas, incluindo as presidenciais de Lula da Silva;
- pela abertura no exterior de contas em paraísos fiscais; a imprensa acusa o próprio presidente, o seu dilecto amigo Thomaz Bastos, ministro da Justiça, o presidente do Banco Central, e outros compinchas partidários ou prestadores de serviços ao Governo;
- pelas desconcertantes declarações de Lula da Silva, afirmando, primeiro, que nada sabia da corrupção (quando era o seu partido e os seus mais próximos colaboradores a praticá-la), mais à frente dizendo que tais práticas existem em todos os partidos (tentando tornar natural uma fraude), e, finalmente, defendendo que essa corrupção sempre existiu (procurando legalizar uma ilegalidade); o mesmo Lula, presidente da República, que canta de alto que todos os prevaricadores serão punidos, enquanto todos eles são, sistematicamente, absolvidos; o mesmo Lula que se "orgulha" de que o seu Governo "não rouba nem deixa roubar";
- pelas contas pagas pelos contribuintes, muitas com facturas falsas, a Lula e seu séqüito – mulher, filhos e outras companhias;
- pelo chamado "esforço concentrado", um plano que pretendia pôr os deputados, pagos principescamente, a trabalhar em projectos de urgência, e que se saldou no seu vergonhoso absentismo (70 presenças em 513 eleitos);
- pela falta ao serviço, não justificada e não apurada, dos servidores da Câmara e do Senado que, a pretexto da ausência dos políticos, em plena campanha eleitoral, se escusam ao trabalho, apesar de se pagar, em média, 6000 reais (um euro vale, aproximadamente, 2,8 reais) por mês, por servidor, num total de dois milhões por ano.
Toda esta imaginativa rapaziada anda à solta , e, mais do que isso, se candidata às novas eleições (em Outubro próximo). Apesar das cerca de 2000 impugnações de candidaturas feitas pelo Tribunal Eleitoral, a maioria da corja prepara-se, a coberto da má memória e da iletracia do povão, para sacar e saquear, num fartar vilanagem de mais 4 anos.
As relações económicas e financeiras.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- pela fraude fiscal generalizada;
- pela utilização ostensiva de facturas (notas fiscais) falsas, aqui chamadas "notas frias", que alimentam muita gente, incluindo a presidência da República (presidente, mulher do presidente, amigos do presidente, governantes do presidente);
- pela distribuição dos rendimentos, a segunda pior do mundo, só ultrapassada pela Serra Leoa, um país perdido na África, com 10 anos de guerra civil recente, com amplitudes só existentes em países do terceiro mundo onde prevalece o compadrio e a corrupção é senhora e lei;
- pela taxa de juro mais elevada de todo o planeta, da ordem dos 144% (cento e quarenta e quatro por cento) ao ano;
- pelo encerramento de inúmeras fábricas, com falências fraudulentas ou provocadas pelas assimetrias salariais dos Estados da União;
- pela isenção de impostos a quem tem mais obrigação de os pagar;
- pela evasão ilícita de divisas para o estrangeiro, onde foram alimentar contas de políticos, alguns de proeminência na condução dos destinos do país, e de empresários, geralmente ligados ao ramo da publicidade e do marketing, curiosamente, todos eles fornecedores de serviços (sobrefacturados) ao Governo;
- por um superávit primário espectacular, à custa do bloqueio de verbas orçamentadas para o desenvolvimento do país.
As relações pessoais, familiares e sociais.
Os quatro anos de governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva foram caracterizados
- por um número surpreendente de 1700 padres acusados de crimes sexuais;
- pelo aumento das agressões (registadas oficialmente) a mulheres e a crianças;
- por aumento substancial da criminalidade sob a forma de assaltos (a pessoas, casas e instituições), estupros, sequestros e assassinatos (alguns deles por brigas de trânsito);
- por aumento de consumo de álcool e drogas;
- por um aumento generalizado da corrupção entre as forças policiais;
- por uma progressiva influência sobre o comportamento social exercida por facções criminosas que comandam o crime organizado do interior das cadeias, através de telemóveis (aqui chamados celulares) e de advogados que pertencem a essas mesmas facções;
- por escândalos no "desporto" futebol, com árbitros comprados para fabricarem resultados;
- por desvio, para outros fins, nem sempre muito claros, de grande parte das verbas destinadas anualmente à segurança pública;
- pela constatação de que os bandidos estão mais bem armados do que as forças da ordem;
- pela instalação nos cidadãos do sentimento de que o crime compensa, porque a impunidade, em todos os patamares, é uma garantia adquirida pelo criminoso.
Todo este leque de misérias tem a mesma causa; a falta de seriedade na condução dos negócios públicos e, por arrastamento, dos privados. O poder corrupto instalou-se em todas as vertentes de decisão, e boicota o trabalho dos que pretendem um Brasil diferente – um Brasil independente.
Talvez daqui a alguns anos, se for possível impedir o acesso aos órgãos dos três poderes do Estado dos que se servem desses órgãos em benefício próprio e exclusivo, se consiga ter um país sério. Até lá, muito há para varrer e limpar.
A seriedade constrói-se, não com gostos, desejos ou intenções, mas com factos e realidades – e o que os factos e as realidades mostram é que o Brasil não é um país sério. Perante isto, a pergunta que se me coloca é: poderá sentir-se independente?