sábado, setembro 30, 2006

Mão de ferro em luva de veludo

Nem sempre a fera de olhos fechados está adormecida. Por vezes ouve e apercebe-se do que a rodeia melhor do que quem julga estar acordado.


As Forças Armadas brasileiras têm-se mantido serenas e silenciosas diante da verdadeira catástrofe de escândalos políticos e financeiros que têm atascado o Brasil, vindos a lume desde o princípio do corrente ano.
Há quem pense "demasiado serenas e demasiado silenciosas; preocupantemente tranquilas".
Se a "fera" acorda do seu aparente sono letárgico para tentar pôr alguma ordem na casa, já que quem o deveria fazer se mostra incompetente para tal, mal ou bem muita coisa pode tornar-se, de repente, capacho de bota militar.
Na verdade, não é do âmbito das FA imiscuírem-se nos assuntos da governação. Mas também é certo que, tal como a Igreja, ou as Igrejas, é um parceiro social com direito a voz.
E, a pouco mais de uma semana das eleições, mais precisamente no passado dia 21, romperam o silêncio e divulgaram uma nota conjunta, assinada, respectivamente, pelos Presidente do Clube Naval, Almirante de Esquadra José Júlio Pedrosa, Presidente do Clube Militar, General do Exército Gilberto Figueiredo, e Presidente do Clube de Aeronáutica, Tenente de Brigada Ivan Moacyr de Frota.
Nesse documento que nos chegou às mãos por cortesia de um militar português de alta patente, os três oficiais superiores referem-se às principais ilegalidades com que os brasileiros têm sido confrontados, referindo que "A Nação a tudo assistiu, aturdida pela desfaçatez de homens públicos e membros do governo. A partir de então [o primeiro escândalo revelado], todos os dias são tornados públicos novos escândalos, sempre envolvendo pessoas próximas ao Governo, ao Presidente ou ao seu Partido. As demissões, forçadas pelas circunstâncias e pelo constrangimento político, nunca foram acompanhadas de completa apuração e das punições necessárias. A sucessão de casos escabrosos e de actos de corrupção já não surpreende o brasileiro honesto".
À frente, a propósito das fraudes mais recentes (objecto de algumas das nossas crónicas anteriores), afirmam que "Já se torna evidente que a corrupção não é somente um ilícito do qual se beneficiam pessoas e grupos, mas sim algo que se transformou em meio de conquista e manutenção do poder. A sensação é de perigo iminente à Democracia. Por isso os Clubes Naval, Militar e de Aeronáutica, por seus presidentes, sentem-se no dever de manifestar, publicamente, sua indignação com esse estado de coisas e de ressaltar a importância das próximas eleições como instrumento à disposição do povo brasileiro para o saneamento da vida política nacional".
Apesar de o documento não ter tido eco na comunicação social, aí está o recado, indiscutivelmente claro, para quem o souber ler e tiver a coragem (e a capacidade) de meditar sobre ele.
Os políticos brasileiros estão demasiado confiantes no funcionamento das instituições da frágil democracia do Brasil, tão frágil que tem permitido o alastramento, dia após dia, do lodaçal de crimes contra a República.
Ao menosprezar um eventual interesse das FA em fazerem-se ouvir quanto à condução dos negócios da União perante o estado caótico de corrupção quase generalizada a que se chegou, esses políticos poderão acordar um dia da sua néscia sonolência com uma grande surpresa – grande e desagradável.