terça-feira, março 07, 2006

Acabaram as férias ?



Mal serpenteou pelo ar um cheirinho a Natal, os motores desaceleraram no Brasil. Isto foi há dois meses, sim; aliás, há mais de dois meses.
Imagine-se o efeito da magia do Natal na euforia de um país em que tudo é pretexto para uma euforia qualquer...
Logo de seguida veio a passagem do ano, o ano novo, a dar continuidade à euforia anterior.
Começaram as férias escolares do fim do ano lectivo que, em certos casos, se prolongam por Fevereiro. Alguns pais, aproveitando as férias dos filhos, tiraram férias também.
E como se estava no auge da estação quente (mais quente) neste país tropical, muitos serviços, públicos e privados, ressentiram-se disso.
O horário de Verão reduziu o funcionamento do país, país que já de si funciona pouco e gosta pouco de funcionar.
Talvez isso, essa mentalidade e essa postura contribuam para que 25% dos brasileiros sejam considerados miseráveis, com rendimento inferior a 115 reais por mês (1 euro vale, aproximadamente, 2,70 reais).
Talvez por isso 60% dos brasileiros acreditem que haverá sempre corrupção.
Talvez por isso o Brasil seja o 3º país do mundo com maior número de fraudes bancárias electrónicas.
Talvez por isso, segundo a KPMG (uma cooperativa suíça com ramificações em diversos países, incluindo o Brasil, especializada em contabilidade e consultoria), 70% das mil maiores empresas brasileiras sofreram algum tipo de golpe em 2003 e 2004, entre os quais fraudes, roubo de activos, e falsificação de cheques, recibos e documentos vários.
Os maus exemplos vêm de cima, com o Estado a mostrar que não é pessoa de bem. Senão vejamos como exemplo as férias dos parlamentares.
Quando o ano findou, muitos documentos importantes para a operacionalidade e o progresso do país ficaram por aprovar, tanto na Câmara dos Deputados (513 elementos), como no Senado (81). Um deles foi o Orçamento Geral.
Apesar disso, os parlamentares fizeram as malas e preparavam-se para começar um dos períodos dos seus 90 dias de férias, quando os presidentes dos respectivos órgãos os convocaram para trabalho extraordinário. Daí resultaria, como resultou, que cada parlamentar usufruiria dois meses suplementares de salário (25 mil e 600 reais). E eles, prontos, compareceram, sem problemas de consciência quanto aos 100 milhões de reais que, deste modo, voaram dos cofres públicos.
Mas mesmo assim, disse quem viu, pouco tempo depois, salas e corredores do Legislativo voltaram a estar vazios. Foi preciso uma decisão judicial de 17 de Janeiro, exigindo o corte do ponto dos parlamentares faltosos, para os obrigar (alguns) a regressar ao trabalho, pago a preços fabulosos.
Contudo, ficou por discutir e aprovar muito do que estava em projecto e que tinha servido de justificação para o rombo no erário da nação.
Depois entrou em cena o Carnaval. Serviços fundamentais fecharam durante vários dias, mas ninguém se importou: repartições fechadas, bancos fechados, escolas fechadas, consultórios fechados. E o povo saiu à rua para brincar o Carnaval. Só na zona do Recife se registaram 68 assassinatos, embora as autoridades policiais (secretário da segurança social e chefe da polícia civil) tivessem admitido apenas 3 (!). Curiosamente, no dia seguinte apresentaram a demissão, alegando motivos de carácter pessoal.
Apenas na quinta-feira, dia 1 (a quarta-feira de cinzas ainda é de folia, para uns, e de ressaca para os restantes) foi possível dar ao país o aspecto, ainda que tímido, de quem trabalha.
Bem vistas as coisas, eu poderia ter continuado as minhas férias, já que, olhe para onde olhar, parece nada haver que sirva de esqueleto a uma crónica diferente no quotidiano desta terra.
Até dos escândalos políticos e financeiros que atolaram o Brasil durante praticamente todo o ano de 2005 jamais se ouviu falar, como se nunca tivessem existido.
Alguns ensaios dispersos, tentativas frustradas, de acordar o povo para os reais problemas do país, revelados durante esse período e nunca resolvidos, apesar das promessas, são como nevoeiro de Verão. Depressa se dissipam.
Tudo em águas mansas, tudo em águas mornas.
Parece que o Brasil voltou ao trabalho com o objectivo de preparar o Carnaval do ano que vem.