segunda-feira, outubro 03, 2005

Apesar do vale-tudo, Lula perdeu outra vez



O processo de que resultou a eleição do novo presidente da Câmara dos Deputados do Brasil não foi, propriamente, uma pérola de isenção, nem de lisura democrática.
Num regime democrático, pretende-se que os três Poderes que conduzem a vida da Nação – o Legislativo, o Executivo e o Judicial (Judiciário no Brasil) – funcionem de forma autónoma nas respectivas esferas, sem interdependências nem influências mútuas. É a lógica do velho refrão "cada macaco no seu galho".
Mas no Brasil, apesar de país constitucionalmente democrático, as coisas não funcionam assim. Existe uma permanente promiscuidade entre aqueles Poderes. De forma mais velada ou mais aberta, mas existe.
Sem pudores, as interferências fazem-se sentir, viciando as regras do convívio em democracia, facilitando a prática da corrupção, desgastando a imagem dos políticos que ainda permanecem honestos, desencantando os eleitores quanto à participação activa na vida pública e ao acompanhamento dos actos da governação. Neste particular, se o voto não fosse obrigatório no Brasil, os resultados eleitorais dariam aos políticos uma representatividade expressa duvidosa.
Desta forma, as desigualdades sociais e outras injustiças criam raízes cada vez mais profundas.
Quem deveria ser o maior e mais fino modelo de ética no comportamento global e, em particular, no exercício de funções públicas, não o é, muitas vezes escudado em argumentos falaciosos que deformam, com tais exemplos, a cultura moral do povo.
Ora, a imoralidade não impende apenas naquilo que é ilegal. Existe muita imoralidade ainda desregulamentada, em boa parte porque ela sustenta interesses do Poder instituído. Há coisas que não são ilegais, mas que são ilegítimas, e não se pode dizer que tais coisas se apresentam menos condenáveis só porque ainda não foram descobertas, ou porque ainda não se legislou sobre o assunto.
Trazer para o quotidiano estas subtilezas depende da formação moral de cada um. Quanto maior o grau de responsabilidade de um cidadão na hierarquia dos que moldam os destinos de um Povo, maior deveria ser, também, o seu grau de estrutura moral, traduzido pela transparência e pela integridade no exercício da função que lhe foi atribuída, directa ou indirectamente, por esse Povo.
No estado em que se encontram as reservas morais do Brasil, atolado em escândalos político-financeiros que parece não quererem parar, e atingem todos os patamares dos três Poderes, as condições que levaram à queda desabalada do anterior presidente da Câmara dos Deputados, Severino Cavalcanti, também ele acusado de envolvimento num esquema de corrupção, causa próxima que rematou o acumular de outros pecadilhos, aconselhariam cautela e bom-senso, no sentido de aproveitar todas as oportunidades para limpeza da tão conspurcada imagem do Governo e do Parlamento.
Assim não o entenderam o presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva, nem os seus acólitos. Ou se estes o entenderam, bem o calaram, submetidos à "voz do dono".
Lula escolheu e impôs o seu candidato, através de manobras pouco dignas de uma democracia que defendesse a separação de facto dos três Poderes.
Enviou à Câmara alguns dos seus ministros para angariarem apoios entre os deputados. Fez o mesmo no Senado.
Negociou com os partidos da base aliada, Partido Popular (PP), Partido Liberal (PL), ambos conservadores, e Partido Trabalhista Brasileiro (PTB) a conquista de votos. São estes os principais partidos implicados nos esquemas de suborno e corrupção que vêm sendo investigados por três Comissões Parlamentares de Inquérito (CPI´s). O último deles é o autor da denúncia dos escândalos que enlamearam a imagem do presidente e do seu Governo. A todos eles Lula prometeu cargos e, até, um ministério.
Disponibilizou 600 milhões de reais (1 real é, aproximadamente, 0,33 Euros) para o Ministério dos Transportes, nas mãos do PL.
Liberou outros 500 milhões para emendas constitucionais propostas por deputados, até agora congeladas por falta de verba.
Em resumo, o presidente Lula da Silva, usando de uma imoralidade que não fere a legalidade, procurou comprar, literalmente, consciências, sob a mesma filosofia, sem tirar nem pôr, que presidiu à montagem dos referidos esquemas de corrupção, cuja denúncia tem criado constantes obstáculos à governabilidade do país. Assim, não dispõe já de autoridade para dizer que nada sabia do esquema arquitectado anteriormente, uma vez que aquele e este se identificam na ideia geratriz.
Apesar deste vale-tudo, os resultados ficaram muito aquém do esperado. O candidato do governo ganhou por uns escassos 15 votos, margem de grande desconforto numa Câmara de 513 parlamentares, em que o número dos que não votaram é menor do que esta diferença.
O vencedor, Aldo Rebelo, deputado por São Paulo, é militante do Partido Comunista do Brasil (PC do B), partido que tem pautado a sua actuação por permanentes lambuzadelas de botas ao partido no poder, Partido dos Trabalhadores, fundado por Lula, e o principal agente e sujeito dos esquemas de corrupção descobertos. Aldo Rebelo já foi, neste mesmo governo, ministro da Coordenação Política. Nessa qualidade, nunca coordenou fosse o que fosse, já que toda a coordenação, do PT, do Governo, do próprio presidente, era feita pelo então superpoderoso ministro Chefe da Casa Civil José Dirceu, afastado na sequência da denúncia do imenso pacote de corrupção que alastra pelo Brasil.
De gabinete paredes meias com o do presidente Lula, Dirceu sempre desclassificou, desconsiderou e humilhou o ministro Aldo Rebelo, que se viu, de repente, demitido sob pressão do Partido dos Trabalhadores, de que Dirceu foi também presidente. Hoje, Aldo Rebelo é testemunha de defesa de Dirceu, num processo que este enfrenta de impugnação de mandato como deputado. Alguns dizem que Rebelo é conciliador. Outros afirmam que ele é mole.
Talvez seja ainda pior do que isso. Ao afirmar que "nenhuma CPI [Comissão Parlamentar de Inquérito] tem tanta eficácia na investigação como tem a própria Polícia Federal ou o Ministério Público", sabendo nós das ramificações, vindas a público com frequência, destas instituições com o mundo do crime, o novo presidente da Câmara dos Deputados oferece poucas garantias quanto ao andamento dos processos em curso nas três CPI´s, que estão apreciando a conduta dos deputados corruptos, processos que, em breve, lhe serão apresentados. É possível que esse déficit de garantias de eficácia, chamemos-lhe assim, que interessa a muita gente, tivesse sido um dos grandes motivos da sua eleição.
A vitória sem glória foi precocemente comemorada no Palácio do Planalto, sede do Governo presidencialista, e nalguns sectores da Câmara. Escolhido por Lula para ser um serviçal fiel e dedicado, ou não se justificaria o envolvimento pessoal e o investimento do presidente e do seu Governo, talvez Aldo Rebelo não consiga levar a bom termo o desempenho de correia de transmissão entre o Executivo e o Parlamento, para o qual estava guardado.
No dia seguinte à eleição, na Câmara não havia quorum para elaborar uma agenda de trabalho. Mais um dia ainda, e permanecia o vazio, tendo-se perdido a oportunidade de aprovar uma pequena reforma política, prevista para estancar nas próximas eleições, já em 2006, o surto de corrupção epidémica da classe política brasileira.
A oposição que rejeitou Aldo Rebelo não está disposta a colaborar nas estratégias instrumentalistas de Luís Inácio Lula da Silva. Pelo número de votos, está em boa posição para isso.
O presidente, habituado a querer, poder e mandar, cometeu, mais uma vez, um erro de cálculo e, mais uma vez também, perdeu a jogada.



1 Comments:

Anonymous Anónimo said...

Acho que quem precisa mesmo ter um pouco de aulas de calculos aquí é o autor doo artigo. Mas é divertido ler matérias antigas. Os famigerados cientistas políticos só dão bola fora.uma lástima, ainda bem, pois sempre suas previsões são catastróficas!

sábado, julho 26, 2008 2:43:00 da tarde  

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