terça-feira, abril 11, 2006

Os sujos "colarinhos brancos"


Na passada quarta-feira, dia 5, dois factos políticos importantes ocorreram no Brasil. Importantes em si, e importantes porque mostram como anda a classe política brasileira.
O primeiro resultou da actividade da CPI dos Correios.
Recorde-se (ver detalhes em diversas crónicas do
Especial Brasil) que a Comissão Parlamentar Mista de Inquérito dos Correios foi criada em Maio de 2005, com o objectivo de investigar denúncias então feitas sobre o recebimento, por parte de parlamentares, de verbas destinadas a assegurar os seus votos na aprovação de diplomas favoráveis ao governo do presidente Luís Inácio Lula da Silva.
Finalmente, os seus trabalhos chegaram ao fim, e concluíram pela existência, de facto, daquilo a que se chamou "mensalão", ou seja, o pagamento de verbas, mais ou menos avultadas, para compra de consciências, e de votos, de deputados.
Desde as primeiras denúncias, feitas pelo ex-deputado, pelo Rio de Janeiro, Roberto Jefferson, do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), no início de Maio do ano passado, o governo tentou abafar a questão, impedir a criação da CPI, dificultar a sua actuação, subestimar e minimizar a questão, e negar o mensalão.
Tudo isto com o aval e o comprometimento público do presidente da República, Luís Inácio Lula da Silva.
O espanto e a indignação dos cidadãos foi grande.
O denunciante, então deputado Jefferson, que se licenciou da presidência do PTB para fazer as acusações públicas, foi cassado, ou seja, perdeu os direitos políticos por 8 anos, depois de um processo que tramitou pela Comissão de Ética da Câmara dos Deputados, e terminou com uma votação nessa mesma Câmara.
Na verdade, ele e o seu partido tinham, também, sido beneficiados com dinheiros de "caixa 2", termo por que ficou conhecida a arrecadação ilegal de verbas para fundos de campanha. Foi o próprio Jefferson que o revelou, também publicamente. E agarradas aos fundos de campanha vinham as compras de votos.
Mas a punição de Jefferson perante a sociedade não teve tanto a ver com o rigor ético da prática política (Ética é palavra conhecida por muito poucos no Brasil), mas, principalmente, com uma vingança colectiva: do governo, por ter sido desmascarado na maior operação de que há memória de assalto aos cofres públicos, e de arrecadação ilegal de dinheiro, desenvolvida pelo seu partido, Partido dos Trabalhadores (PT); dos deputados envolvidos, porque pôs a descoberto o seu carácter corrupto, e lhes estragou o arredondamento do salário, já de si bem gordo, no fim do mês.
Roberto Jefferson, apesar de tudo, apesar de já punido, continua a ser alvo de perseguições, em aparatosas rusgas levadas a cabo pela Polícia Federal, lembrando métodos que nada têm a ver com a democracia, a não ser o facto de a televisão, a que apoia o governo, "por acaso" estar sempre por perto.
José Dirceu (ele e Roberto Jefferson são inimigos figadais), o homem forte do regime de então, ex-presidente do PT, ex-ministro Chefe da Casa Civil de Lula, gabinete ao lado do gabinete do presidente, demitido na sequência dos escândalos políticos e financeiros do mensalão, e de outros praticados por um seu assessor (que pretendeu extorquir dinheiro a um empresário de jogo), foi cassado também.
Na base, a acusação de ter sido o cérebro da "operação caixa 2".
Durante anos, foi recolhido dinheiro de empresas privadas, a troco de benefícios em concursos de fornecedores do Estado, e desviado dinheiro de empresas públicas, sob a máscara de contratos de prestação de serviços, sempre sobrefacturados. As verbas, canalizadas para a Tesouraria do PT, passavam por contas bancárias de Marcos Valério, um empresário do ramo da publicidade que, inexplicavelmente, continua à solta, e, aí lavadas, eram transferidas para contas várias, indicadas pelo então tesoureiro do PT, Delúbio Soares. Algumas dessas avultadas importâncias, ao que parece, saíram clandestinamente do país para paraísos fiscais, tendo retornado legalmente.
Assim foram movimentados bilhões de reais (1 euro valia, na época, aproximadamente, 3 reais).
A intenção de toda a tramóia seria a perpetuação no Poder por parte do PT (base de apoio do presidente Lula da Silva). Ou melhor, dos seus quadros mais destacados e influentes. Uma ditadura branca, pois.
A cassação de Dirceu, no fim de um processo carregado de recursos de adiamento, que começava a tornar-se ridículo, não foi, do mesmo modo que não foi em relação a Jefferson, uma questão de ética. É que pareceria muito mal, perante a opinião pública, que não houvesse mais esta punição exemplar, dadas os indícios e as evidências do seu envolvimento em todo o processo; por outro lado, era preciso oferecer à Oposição, para a acalmar, uma cabeça de peso.
As repercussões do escândalo político-financeiro foram de tal ordem no país e no estrangeiro (Portugal viu-se implicado, através da Portugal Telecom e do Banco Espírito Santo, objecto de notícias do semanário "Expresso", de Lisboa), que a reeleição de Lula é considerada hoje praticamente impossível.
Cientes disso, 9 ministros abandonaram o barco para se candidatarem a outros lugares políticos em próximas eleições (Outubro, se não houver impeachment antes).
Lula da Silva, cada vez mais isolado e sozinho, continua, levianamente, a cantar hossanas à sua Administração.
Outros implicados no "mensalão" têm sido vergonhosamente absolvidos. E – o segundo facto político - o ex-presidente da Câmara dos Deputados, João Paulo Cunha, foi absolvido também. Escândalo.
Depois de apresentar duas versões diferentes para o facto de ter levantado dinheiro de uma conta de Marcos Valério, o que, já de si, daria a suspensão dos direitos políticos, acabou por confessar o suborno.
A comissão de Ética da Câmara, com as provas recolhidas, recomendou a cassação (suspensão dos seus direitos políticos por 8 anos). Mas uma sessão com bastantes faltosos e vários votos brancos e nulos, e abstenções, absolveu-o.
Isto mostra bem o descomprometimento dos deputados em ordem à prática política, e a sua preocupação principal em não criar atritos que possam prejudicá-los em futuras alianças.
Baixa política. Tudo menos sentido de serviço público.
Esta espantosa absolvição abre as portas a que todos os outros implicados no mensalão, de resto, um número ínfimo face a todos aqueles que, embora beneficiados, conseguiram esconder-se das denúncias, sejam também absolvidos.
Isto tudo sem esquecer aqueles que, a coberto de uma Lei Eleitoral que protege o infractor, renunciaram aos seus cargos antes de serem indiciados pela Comissão de Justiça ou pela Comissão de Ética da Câmara. Assim, não poderão ser alvo da Justiça por crimes eleitorais cometidos, mesmo que esses crimes tenham sido maiores do que os levaram à cassação de outros seus colegas.
Mais um absurdo brasileiro.
Nas próximas eleições, porque o povo tem a memória curta e pouco espírito crítico, vamos ver as mesmas caras sem vergonha, com os mesmos sorrisos de desonestidade, nos mesmos lugares pagos a peso de ouro pelo dinheiro do povão, fazendo as mesmas, ou piores, falcatruas, com a mesma desenvoltura, mas de uma forma mais sofisticada, mais encapotada, mais difícil de descobrir.
Suspiro... Suspiro fundo e triste...
A Câmara dos Deputados do Brasil tem o corpo gangrenado, e a alma da cor da sujeira entranhada.



1 Comments:

Blogger Luís Alves de Fraga said...

Mas isto é absolutamente escandaloso! Onde quer chegar esse país com políticos deste quilate? Fico espantado como o Brasil ainda é um Estado com crédito político no conjunto dos Estados do mundo... só se os outros são piores! Assim, já nada me espanta!

terça-feira, abril 11, 2006 3:43:00 da tarde  

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