sexta-feira, março 10, 2006

Traços pouco recomendáveis num perfil presidencial



- "Se eu me candidatar, terão de me engolir".
- "Em 2006 a gasolina não subirá de preço".
- "Os jornalistas são aves de mau agouro".
Só por si e separadas de um contexto quanto ao seu autor, estas três afirmações pouco valor terão.
Mas se puderem ser atribuídas, como podem, por estas mesmas palavras ou semelhantes, com o mesmo sentido, ao presidente da República Federativa do Brasil, senhor Luís Inácio Lula da Silva, em proximidade de eleições e num clima de denúncias de corrupção do seu governo e do seu partido, tais afirmações poderão ser consideradas, no mínimo, como levianas.
Se alguém se lembrar delas e do seu significado escondido, no momento do voto pesarão desfavoravelmente nos resultados.
A primeira (se eu me candidatar, terão de me engolir) traduz uma ofensiva arrogância de quem pretende ter certezas onde deveria ter muitas dúvidas. A Administração Lula da Silva não teve, ao longo dos 4 anos de mandato, um sucesso de modo a garantir vitória eleitoral em futuras eleições. Pensar o contrário é subestimar o valor dos adversários e a inteligência dos eleitores.
Além disto, a arrogância, se é uma postura que fica mal a qualquer pessoa, muito pior se coaduna com o estatuto de presidente de uma nação. Mais ainda quando esse presidente se quer reeleger. Se eleito, ele terá de ser o presidente de todos os cidadãos e não só dos que o elegeram. Assim sendo, não pode fazer-se engolir, seja por quem for.
A segunda afirmação (em 2006 a gasolina não subirá de preço), feita entre o Natal e o fim do ano de 2005, constitui uma promessa, e uma promessa só pode ser declarada se houver a certeza de poder ser cumprida.
Ora, o preço dos combustíveis não depende dum presidente, por mais poderoso que seja, e a História recente do planeta bem o comprova.
As promessas não cumpridas criam descrédito, em particular num presidente, e mais ainda quando ele pretende reeleger-se após 4 anos de administração permanentemente contestada no seu principal pilar, o económico, e massacrada por denúncias comprovadas (embora o presidente, desajeitada e desesperadamente, o desminta) de corrupção política e financeira.
Logo aos primeiro dias de 2006 o preço da gasolina subiu. Um mês depois subiu de novo. No terceiro mês disparou.
A terceira afirmação (os jornalistas são aves de mau agouro) proclama uma declaração de guerra aos profissionais da informação, como indivíduos, como grupo profissional e como agregados empresariais.
Talvez seja uma das piores guerras que um candidato presidencial, em especial nas actuais condições de administração de Lula da Silva, possa travar.
Estas três afirmações, se só por si não definem uma pessoa, indicam, no entanto, traços de carácter que deixam dúvidas quanto aos valores éticos que servem de baliza a uma actuação política.
A arrogância mostra alguma predisposição para a prepotência, para o despotismo, para o absolutismo, enfim, para o totalitarismo.
O partido que apoia Lula da Silva (PT – Partido dos Trabalhadores) e outras forças organizadas que lhe servem de sustentáculo também (como o MST – Movimento dos trabalhadores rurais Sem Terra) navegam nessas áreas.
O MST sem esconder os seus objectivos, através de ocupações selvagens de propriedades privadas, e das declarações com que os seus dirigentes pretendem justificá-las. O PT, com os mesmos objectivos, através de um assalto em grande escala aos cofres públicos, descoberto em Maio de 2005.
Quanto às promessa vãs, para além das roupagens de populismo que não enganam ninguém e que são característica de determinadas ideologias políticas, denotam desrespeito pelo cidadão consumidor, que, em maior ou menor escala são todos, e mostram uma indiferença face à mentira política, marca, também ela, do totalitarismo.
Finalmente, os insultos aos jornalistas mais não são que uma tentativa castrada de desforra de quem pretendeu e não conseguiu impor a censura aos órgãos de informação, através do projecto (abortado) de criação da Comissão Nacional de Jornalismo. Uma medida, sem dúvida alguma, inspirada no totalitarismo.
Falei três vezes em totalitarismo, e mais poderia falar se rebuscasse mais exemplos. Isto parece-me preocupante.
É pouco provável uma reeleição de Lula, apesar das divisões internas do principal partido adversário (PSDB – Partido Social Democrata Brasileiro).
Para os brasileiros, estes 4 anos de benefício da dúvida, de espera e de esperança tornaram-se desilusão, desencanto e desengano para quem acreditou num Brasil diferente, e acabou por viver num Brasil igual a si mesmo, naquilo que o Brasil tem de pior.
Lula da Silva não se redimiu dos erros, seus e do seu Governo, acobertou corruptos e corrupção, jogou com a boa-fé dos brasileiros.
Não querendo ser ave de mau agouro, prevejo que ninguém vá querer engoli-lo por mais tempo, mesmo com promessas de gasolina a centavo.



terça-feira, março 07, 2006

Acabaram as férias ?



Mal serpenteou pelo ar um cheirinho a Natal, os motores desaceleraram no Brasil. Isto foi há dois meses, sim; aliás, há mais de dois meses.
Imagine-se o efeito da magia do Natal na euforia de um país em que tudo é pretexto para uma euforia qualquer...
Logo de seguida veio a passagem do ano, o ano novo, a dar continuidade à euforia anterior.
Começaram as férias escolares do fim do ano lectivo que, em certos casos, se prolongam por Fevereiro. Alguns pais, aproveitando as férias dos filhos, tiraram férias também.
E como se estava no auge da estação quente (mais quente) neste país tropical, muitos serviços, públicos e privados, ressentiram-se disso.
O horário de Verão reduziu o funcionamento do país, país que já de si funciona pouco e gosta pouco de funcionar.
Talvez isso, essa mentalidade e essa postura contribuam para que 25% dos brasileiros sejam considerados miseráveis, com rendimento inferior a 115 reais por mês (1 euro vale, aproximadamente, 2,70 reais).
Talvez por isso 60% dos brasileiros acreditem que haverá sempre corrupção.
Talvez por isso o Brasil seja o 3º país do mundo com maior número de fraudes bancárias electrónicas.
Talvez por isso, segundo a KPMG (uma cooperativa suíça com ramificações em diversos países, incluindo o Brasil, especializada em contabilidade e consultoria), 70% das mil maiores empresas brasileiras sofreram algum tipo de golpe em 2003 e 2004, entre os quais fraudes, roubo de activos, e falsificação de cheques, recibos e documentos vários.
Os maus exemplos vêm de cima, com o Estado a mostrar que não é pessoa de bem. Senão vejamos como exemplo as férias dos parlamentares.
Quando o ano findou, muitos documentos importantes para a operacionalidade e o progresso do país ficaram por aprovar, tanto na Câmara dos Deputados (513 elementos), como no Senado (81). Um deles foi o Orçamento Geral.
Apesar disso, os parlamentares fizeram as malas e preparavam-se para começar um dos períodos dos seus 90 dias de férias, quando os presidentes dos respectivos órgãos os convocaram para trabalho extraordinário. Daí resultaria, como resultou, que cada parlamentar usufruiria dois meses suplementares de salário (25 mil e 600 reais). E eles, prontos, compareceram, sem problemas de consciência quanto aos 100 milhões de reais que, deste modo, voaram dos cofres públicos.
Mas mesmo assim, disse quem viu, pouco tempo depois, salas e corredores do Legislativo voltaram a estar vazios. Foi preciso uma decisão judicial de 17 de Janeiro, exigindo o corte do ponto dos parlamentares faltosos, para os obrigar (alguns) a regressar ao trabalho, pago a preços fabulosos.
Contudo, ficou por discutir e aprovar muito do que estava em projecto e que tinha servido de justificação para o rombo no erário da nação.
Depois entrou em cena o Carnaval. Serviços fundamentais fecharam durante vários dias, mas ninguém se importou: repartições fechadas, bancos fechados, escolas fechadas, consultórios fechados. E o povo saiu à rua para brincar o Carnaval. Só na zona do Recife se registaram 68 assassinatos, embora as autoridades policiais (secretário da segurança social e chefe da polícia civil) tivessem admitido apenas 3 (!). Curiosamente, no dia seguinte apresentaram a demissão, alegando motivos de carácter pessoal.
Apenas na quinta-feira, dia 1 (a quarta-feira de cinzas ainda é de folia, para uns, e de ressaca para os restantes) foi possível dar ao país o aspecto, ainda que tímido, de quem trabalha.
Bem vistas as coisas, eu poderia ter continuado as minhas férias, já que, olhe para onde olhar, parece nada haver que sirva de esqueleto a uma crónica diferente no quotidiano desta terra.
Até dos escândalos políticos e financeiros que atolaram o Brasil durante praticamente todo o ano de 2005 jamais se ouviu falar, como se nunca tivessem existido.
Alguns ensaios dispersos, tentativas frustradas, de acordar o povo para os reais problemas do país, revelados durante esse período e nunca resolvidos, apesar das promessas, são como nevoeiro de Verão. Depressa se dissipam.
Tudo em águas mansas, tudo em águas mornas.
Parece que o Brasil voltou ao trabalho com o objectivo de preparar o Carnaval do ano que vem.