terça-feira, outubro 03, 2006

A votos de novo por vontade do povo



Das cinco regiões do Brasil, Luís Inácio Lula da Silva só ganhou em duas nestas presidenciais do 1º de Outubro: Norte e Nordeste, as mais iletradas, miseráveis e subdesenvolvidas, o que já era de esperar, por ser a clientela mais fiel do presidente; nas restantes, Centro Oeste, Sudeste e Sul, mais produtivas, mais prósperas e mais civilizadas, e nas secções do estrangeiro, a maioria de votos contemplou o seu Adversário Geraldo Alckmin, do PSDB (Partido Social Democrata Brasileiro), ex-governador do Estado de São Paulo.
Foi precisamente o Estado de São Paulo, o maior colégio eleitoral, com 28 milhões de eleitores, cerca de 1/4 do eleitorado do Brasil, que contribuiu decisivamente para o segundo turno.
Nesta primeira derrota de Lula nas presidenciais de 2006, os analistas são unânimes em apontar os factores relevantes:
- os métodos usados pelo Partido dos Trabalhadores (PT), o partido que apoia Lula, e que protagonizou os escândalos políticos e financeiros que têm enchido o espaço e o tempo da imprensa nacional e estrangeira, os métodos usados nos complexos e, por vezes, obscuros processos sindicais (grande parte dos quadros do PT foi recrutada no meio sindical, donde o próprio Lula é oriundo) não resultaram no processo político democrático;
- Lula fugiu sempre dos debates com os seus adversários; não compareceu a um único dos que estavam programados; muitos eleitores o consideraram cobarde, desrespeitoso e presumido;
- ainda que o ministro da Cultura, Gilberto Gil, conhecido internacionalmente como cantor, tenha dito recentemente num evento realizado no estrangeiro que "a ética não faz parte da índole do brasileiro, a corrupção faz", e não é a única figura prestigiada, dentro e fora do Brasil, a dizer isso, a verdade é que os sucessivos escândalos de corrupção envolvendo o presidente, o seu partido e o seu governo recordaram na opinião pública as promessas de Lula e do PT, em 2002, de que tudo seria diferente, sob a bandeira da ética, contra a corrupção instalada no Estado e nas suas instituições, e de que o novo governo não roubaria nem deixaria roubar; viu-se, foi o que foi de fartar vilanagem;
- a última patifaria, o caso da tentativa de compra de um dossier que, supostamente, incriminaria o candidato à presidência, Alckmin, e o candidato José Serra, também do PSDB, ao governo do Estado de São Paulo (que ganhou com folgada margem), caso que o presidente do Supremo Tribunal Eleitoral considerou pior que o escândalo Watergate do presidente americano Nixon, no início dos anos 70, foi a gota de água para o eleitorado;
- como dizia em entrevista de rua o ex-presidente da República (1994-2002) Fernando Henrique Cardoso, "Lula tem ainda alguma popularidade, mas perdeu respeito; pode-se governar sem popularidade, sem respeito não".
A falta de vergonha na cara é uma característica comum à generalidade dos políticos brasileiros, mas o eleitor também não se dá ao trabalho de questionar o perfil dos candidatos.
No corrente ano, 192 deputados trocaram de partido durante a legislatura.
Paulo Maluf, um ex-governador do Estado de São Paulo e ex-presidente do município da capital do mesmo Estado, foi preso a meio de 2006 acusado de formação de quadrilha, corrupção, desvio de fundos públicos (uma soma astronómica), lavagem de dinheiro, evasão fiscal e fuga de capitais para contas no estrangeiro; pouco tempo depois foi solto sem explicação plausível; acaba de ser eleito deputado federal por São Paulo, e avisou já, em entrevista, que não sabe se cumprirá o mandato no partido onde se elegeu, ou se migrará para outro que o acolha e lhe ofereça melhores condições políticas.
Fernando Collor de Mello, ex-presidente da República que renunciou em 1992, face a um "impeachment" resultante de um descarado e avultado assalto ao erário, foi eleito no domingo senador pelo Estado de Alagoas.
José Serra, o vencedor folgado dos candidatos a governador do Estado de São Paulo, era, até agora, o presidente do município da capital deste Estado; quando foi eleito para chefiar a autarquia, garantiu aos seus apoiantes, publicamente, que jamais deixaria o cargo, fosse qual fosse o motivo, senão no fim dos quatro anos de mandato; dois anos depois da promessa, a meio do período de vigência, candidatou-se a governador do Estado e ganhou.
Metade dos deputados, num total de 513, não conseguiu reeleger-se; mas, dos 62 acusados de envolvimento nos escândalos de corrupção que têm vindo a público desde o início do ano, 57 recandidataram-se, e, destes, 13 conseguiram ser reeleitos.
"Se eu me recandidatar, terão de me engolir por mais quatro anos". Parecem cada vez mais longínquos os fundamentos para esta afirmação de Lula da Silva (e outras semelhantes), durante um comício com metalúrgicos, se não me falha a memória, há poucos meses. A arrogância tem efeito boomerang sobre a cabeça do arrogante.
A campanha decorreu sem brilho, com muito pouca motivação, sem qualquer tipo de discussão sobre os respectivos programas de governo. De resto, Lula detesta confrontos, detesta que lhe coloquem questões e problemas, mesmo por parte dos seus colaboradores, o que o levou a fugir de todos os debates conjuntos, organizados pela comunicação social – e lhe custou caro.
A nova campanha que, entretanto, já começou, terá de ser diferente. A par da conquista de votos no terreno, os candidatos finalistas terão de articular alianças nos bastidores com os candidatos e os partidos excluídos, e, publicamente, defender os respectivos projectos, sozinhos e frente a frente. Goste ou não Lula, assim será.
A votação, em si, correu com tranquilidade, na opinião geral dos comentadores. Apesar de várias detenções por irregularidades eleitorais, entre juízes, fiscais de mesa, fiscais de partido, candidatos e populares, apesar do sequestro de fiscais de mesa e políticos, por parte de uma tribo de índios que reivindicavam gasolina e alimentos, apesar do roubo de 13 computadores, no Rio de Janeiro, que transmitiriam os dados ao banco central de dados, apesar do naufrágio, no Amazonas, de uma barcaça com todas as urnas de uma secção de voto, apesar de isto tudo e de mais incidentes e acidentes, as coisas correram bem neste colégio eleitoral que é o maior do mundo depois da índia e dos EUA.
Há muito que o Brasil deixou de praticar a votação por boletim de voto. Dos poucos países do planeta que usam o sistema de urnas electrónicas, totalmente seguro, segundo garante, já emprestou por diversas vezes o sistema e o equipamento para outras nações da América do Sul. Nestas eleições, menos de 1% das urnas tiveram de ser substituídas por deficiência.
Nada leva a crer que o próximo acto eleitoral, no dia 29, possa ser menos pacífico, apesar da perspectiva de combate voto a voto dos candidatos.
Quem sairá vencedor, é cedo para prognosticar, dada a proximidade de resultados obtidos pelos dois candidatos, com alguma vantagem de pontos para Lula.
Quanto às pesquisas, elas nem sempre primam pela aproximação à realidade. Como disse um ex-governador, "a grande pesquisa é a do dia das eleições".
Entretanto, será bom não esquecer que decorre no Tribunal Superior Eleitoral uma acção contra a candidatura de Lula, por suspeita de cumplicidade no caso do dossier que seria usado para desvirtuar a imagem dos candidatos do PSDB, Alckmin e Serra, e de angariação ilegal de fundos.
Se o TSE o condenar, curta vida política terá, podendo, mesmo, não haver necessidade de segundo turno.

* O slogan de Lula durante a campanha eleitoral de 2006 foi "É Lula de novo com a força do povo".